OPINIÃO

As fronteiras do seu ser e outras dores


| Tempo de leitura: 3 min

Em 2008, ano que meu filho nasceu, tive a oportunidade e escolhi fazer algo que normalmente “pais novos” não fazem: iniciei uma pós-graduação. A área de estudo era o exercício, matéria que sempre me fascinou e a chance de usá-lo como recurso terapêutico, tal como uma medicação, era o que eu buscava.

Neste período tive oportunidade não só de estudar o exercício pelo viés terapêutico, mas ter contato com um grupo de técnicos e treinadores que trabalham com um grupo de pessoas bem diferentes do que eu estava acostumado: os atletas profissionais. Tive a oportunidade de conhecer alguns deles, também!

Sejam eles considerados de “elite” ou não, seu trabalho é levar a própria performance ao máximo e com isso seus corpos chegam ao limite. Afinal, para eles isso é o “ganha-pão”.

Eu já tinha noção, naquela época, o quão era comum o convívio deles com algumas lesões e por isso sabia que algum grau de dor sempre os acompanhava. Contudo, dado esse contato direto com esse mundo, tive duas surpresas, uma “menor” e outra “maior”, que realmente mudou a visão sobre a dor.

A que me impactou menos foi o número de lesões que essas pessoas extraordinárias possuem. São muitas e algumas até crônicas. Da mesma forma, a quantidade de dor era bem mais volumosa do que esperava. Quando se pensa em desbravar os limites de desempenho tem-se que gerenciar alguns riscos e fazer isso por muitos anos, mesmo que de forma competente, gera invariavelmente pequenos percalços.

O que realmente me chamou a atenção, no entanto, é como eles lidavam com isso. A psicologia do atleta é peça fundamental para a longevidade dele na profissão, visto que a sensação dolorosa é inevitável.

“Dor” - eles são unânimes em afirmar - “é simplesmente um alerta de que um limite se aproxima”. Mais ainda: “significa que tenho que tomar cuidado, mas também que estou me desenvolvendo, ou seja, estou fazendo o meu trabalho corretamente” - terminou um deles categoricamente.

Isso me assombrou pois me conscientizei da importância capital da dor para o nosso bem-estar e mesmo para a nossa evolução, como indivíduos e mesmo quanto espécie. Processos menores de lesão são necessários para que nos mostrem os lugares e habilidades que precisam ser trabalhados e, se não ocorressem, não teríamos consciência dessa demanda. Seríamos como navios no oceano sem bússola ou estrelas para nos guiar em uma jornada.

 A resolução das pequenas lesões acaba por nos dar um sistema de superação que vence o que antes era um receio e uma impossibilidade. Cria um mecanismo “anti-frágil” que nos blinda fisicamente e emocionalmente das lesões maiores, que nos inabilitam e são as que devemos evitar.

As lesões menores são aquelas que nos ensinam e promovem adaptações positivas para nosso sistema, tais como aquelas dores que sentimos depois do treino na academia, ou o cansaço depois de correr uma distância que não estamos acostumados.

 A nossa habilidade em criar um sistema resiliente é diretamente proporcional à nossa disposição em experienciar o oposto disso, ou seja, o desconforto de enfrentar dores e seus medos.

Essa lição eu ganhei por acréscimo na minha pós-graduação e é algo que ensino para aquele que nasceu naquela época e hoje já adolescente enfrentando seus medos, nos treinos e na vida.

Dr. Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia.

Comentários

Comentários