A menina tem nove anos e um dia desses desapareceu após sair da escola. Estuda à tarde. Nesta época, escurece mais cedo e as noites frias despertam fantasmas pessoais.
A partir do atraso dela, pensaram tantas coisas. Teria passado algum carro e a colocado no porta-malas, sob encomenda de um pedófilo? Infelizmente, abusadores de crianças não faltam. Seria vítima de rapto para o tráfico humano, com o propósito de prostituição ou venda de órgãos? Sequestrada, por certo, não fora. Sequestro para exigir resgate, impossível. A mãe e o pai – são separados – e o que ganham dá apenas para o essencial. Ou fora alvo de um estuprador e seu corpo seria encontrado em cova rasa em um canto qualquer?
O fato cresceu de imediato e invadiu o bairro. Fizeram o registro do desaparecimento na polícia. Pessoas diversas davam sugestões de trilhas ou lugares pelos quais poderia ter passado, caso estivesse nas mãos de um malfeitor. Na escola, não comentara nada diferente com os colegas e a professora. No dia anterior, fora advertida por discussão com um colega da classe, usando termos ofensivos e palavrões. Antes de bater o sinal, resolveram as desavenças e se reconciliaram. Levou o bilhete para casa, mas como a mãe trabalhava, naquela semana, das 12 às 20hs, não assinara ainda. Não seria esse um motivo para desaparecer. Na angústia dos seus, os minutos se transformavam em horas. Onde poderia estar ela?
Por volta das 21h30, enquanto a família a procurava e a tia permanecia em casa para olhar o bebê, na expectativa de alguma notícia promissora, ela entrou às escondidas e se trancou no quarto. A tia bateu na porta, insistiu para abrir e ela apenas respondia: “Estou com sono. Quero dormir”.
Aos chegarem os seus, foi tanto rigor e a ameaça de arrombarem a porta, que ela cedeu.
A polícia se encontrava lá também. Reprimendas não faltaram. A polícia deseja saber mais. Respondeu que estava por aí.
Combinaram de obter informações na delegacia na manhã seguinte.
Acordou calada e assim prosseguiu após o café e na delegacia.
Na verdade, perambulara pelas rua do bairro, pensando na vida. Com apenas nove anos, pensando na vida e nos sofrimentos, tomada pelo medo que a atordoava em outras ocasiões, após arranjar encrenca. A mãe, ao lhe chamar a atenção, gritava que ela puxara o pai que era um malandro da pior espécie, canalha, cafajeste, cínico, que já morara na rua quando consumia muita droga. Ela não podia confirmar, pois conviveram por pouco tempo. A mãe não o deixava se aproximar. Recordava-se de que, em um dia distante, ele lhe deu um pirulito de morango que era uma doçura. Em seguida, a mãe a chacoalhava aos berros e ameaçava que iria matá-la. Pela ferocidade materna, imaginava que isso seria possível e que poderia acontecer quando assinasse o bilhete da escola. Doía mais a ameaça da morte que as pancadas da mãe. Momento em que mais desejava reencontrar o pai com um pirulito de morango nas mãos.
Era noite de lua, mas quando as nuvens a encobriram, começou a ouvir piados estranhos, a ver sombras esquisitas e o medo se agigantou. Chegou a ver, em uma das sombras, o vulto da mãe com o dedo em riste. Apavorada, correu de volta para casa.
Confessa que ama a mãe, mas sobrevive em meio a sobressaltos.
Maria Cristina Castilho de Andrade
É professora e cronista