Na minha prática diária, dentro do meu consultório de acupuntura, recordo-me com frequência de uma aula que tive em um congresso com um professor catedrático (de quem eu não gostava muito, admito) onde postulou que o paciente sempre tinha invariavelmente dois problemas quando nos procurava: a sua dor e o sofrimento que ela provocava.
- A dor é algo que pode ser localizado, quantificado (sim, existem técnicas e mesmo aparatos para isso), delimitada, caracterizada segundo seus fatores de melhora e piora - disse ele, em frente volumosa plateia - dessa forma, pode ser acompanhada e demonstrado com relativa facilidade a sua evolução em direção da resolução.
- No entanto, o sofrimento que essa dor provoca no indivíduo é algo muito particular dele - continuou em sua explanação magistral - Não pode ser quantificado, pois trata-se de algo muito mais energético e até com influência cultural, podendo atingir dimensões nas raias do infinito, por vezes!
Um pouco dramático, mas era um congresso grande, o que justifica a teatralidade.
Dou o meu braço a torcer, no entanto, pois é fato que o sofrimento é um desconforto muitas vezes maior que a doença em si e, como depois vim a aprender em muitas outras formações, a doença pode ser um "canal" por onde esse sofrimento é externado do local onde se sustentava, dentro do corpo do indivíduo.
Dessa forma, além das suas características inerentes ao conhecimento de patologia, fisiologia e metabolismo, as doenças têm um conteúdo simbólico que lhes são próprios, muito atrelados ao tipo de sofrimento que são capazes de trafegar "para fora" do sistema energético do organismo.
O tratamento mais completo de uma condição doentia (que engloba não só a doença em si, mas as suas consequências psicossociais) consiste não só em tratar a "dor" material e palpável, mas também o sofrimento, que por sua vez tem muito mais com a capacidade do sistema fluir.
Tomamos por exemplo o infarto do miocárdio, o músculo cardíaco. O mecanismo da doença está relacionado com uma má perfusão sanguínea, que se torna insuficiente e obstruída por "placas de gordura" que se acumulam nas artérias que o próprio coração usa para nutrir-se de sangue.
Com isso, em um esforço, o músculo pode entrar em fadiga e em uma espécie de câimbra, manifesta nos exames por algo que chamamos de arritmia. A arritmia, por sua vez, é uma condição potencialmente fatal que pode ser responsável por mortes súbitas.
Aí começam as raízes do sofrimento que essa doença pode trazer, como o medo de uma morte súbita. Este medo pode revelar a série de projetos que estão para serem realizados e que constantemente são deixados de lado. Eles passam a ser prioridade quando, por motivo de doença, a terminalidade da vida se torna uma ameaça real e imediata. A angústia e a ansiedade que surgem então, são constantemente associadas com essa condição doentia e potencialmente fatal
O tratamento mais pleno e completo, neste caso, seria identificar o que está sendo constantemente adiado e que precisa de algo drástico para voltar ao cenário principal da vida e, por fim, como elaborar um caminho para a sua resolução, se possível, com a própria realização destas vontades esquecidas, capazes de preencher um coração "vazio" de satisfação.
Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)