OPINIÃO

A morte não é o fim

29/03/2024 | Tempo de leitura: 3 min

O período de Páscoa é uma oportunidade que temos para uma reflexão sobre nossa vida, mesmo que não sejamos diretamente ligados à egrégora cristã que vê o período como o mais importante do ano. Sua temática, vista de forma ampla, tem a ver com morte e renascimento,

Observo no meu cotidiano que o nome "morte" é um bem carregado de aspectos negativos, frequentemente relacionada com perda irreversível, angústia, separação e mesmo terminalidade. Por conta disso, quando se toca no assunto ou ele surge por algum motivo inesperado, a maioria das pessoas fica "pisando em ovos" (perdoem o trocadilho irônico com o cortejo pascal).

Acredito que a morte não precisa ser tratada dessa maneira tão sinistra, pois ela não é a oposição da vida, mas sim uma parte inerente ao processo de viver.

Imaginar o caminhar da vida, pautado em expansão e desenvolvimento, sem ser ocasionalmente pontuado e balizado por terminalidade seguida de mudança é no mínimo fantasioso (senão doentio).

Diminuir um fluxo energético até sua extinção é um método saudável de direcionarmos a energia vital para outros "locais" que dele necessitam, tal como uma árvore que deixa de enviar a seiva nutridora aos seus galhos secos, para florescer os mais viçosos. A "poda" é um processo de seleção que envolve escolhas e a supressão do que não tem mais viabilidade, resultando em uma árvore mais íntegra, proporcionada e por isso mais viva.

Por vezes, o que precisamos para alcançar certos objetivos que nos propomos é deixar que a morte faça o seu serviço nas várias áreas da nossa vida, levando o que nos detém na continuidade do caminho. Um bom exemplo disso são os traumas que vivemos e que por vezes nos assombram.

A memória é capaz de resgatar a energia desagradável de um trauma várias vezes mesmo depois dele ter terminado, criando a potencialidade de contaminar a energia do momento presente ou mesmo colaborar para que nos coloquemos inconscientemente em situações semelhantes ao trauma, normalmente com resultados catastróficos equivalentes.

O trauma só se torna inativo quando paramos de acessá-lo com energia capaz de revitalizá-lo de alguma forma, ou seja, quando lembramos dele sem um "rebote" de sensações de dor, sentimentos de culpa, vergonha ou revanchismo. Em qualquer um destes casos ele ainda está "vivo" para nós, capaz de compartilhar do fluxo energético da nossa vida para se manter, em alguns casos, mais atuante que nossa vontade sobre o momento presente.

Somente com o trabalho de ressignificação da história traumática, cumprindo os ritos de aceitação da situação e nos desligando energeticamente do evento (diz-se "cortar" a ligação com ele - bem semelhante a uma poda) tornamos o trauma mera lembrança, casca vazia, tal como um corpo que jaz, somente esperando ser desassociado e reciclado para ser incorporado no fluxo de vida de forma renovada.

Isso nada mais é do que uma morte de um evento, que deixa seu potencial para que seja usado em novas alegrias, novas perspectivas e todas elas cheias de vida.

A todos meus estimados leitores, então, desejo saudáveis processos de morte e renascimento, do qual ressurgirão todos nas suas melhores versões. Feliz Páscoa!

Alexandre Martin

é médico especializado em acupuntura e com formação em osteopatia e medicina tradicional chinesa (xan.martin@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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