DIA DA MULHER

Capa de 'super-heroína' mascara batalha real da maternidade solo

Histórias de mulheres que criam sozinhas seus filhos representam mais de 11 milhões de brasileiras e não devem ser romantizadas

Por Mariana Meira | 08/03/2024 | Tempo de leitura: 4 min
Jornal de Jundiaí

Arquivo pessoal

Família somos eu e o Joaquim, conta Bárbara, 34, mãe solo há 4 anos
Família somos eu e o Joaquim, conta Bárbara, 34, mãe solo há 4 anos

Marina Pires de Carvalho Ottoni estava no final do terceiro ano do ensino médio quando descobriu uma gravidez não planejada. Na época, morava com a mãe e não tinha emprego fixo, mas seu parceiro reconheceu a paternidade, o que deu uma rápida sensação de estabilidade. Não demorou para as muitas traições masculinas levarem à separação do casal antes que o pequeno Yuri completasse 2 anos de idade. "De lá para cá é impossível o diálogo, então tomo as decisões sozinha. E é uma carga emocional", relata ela, hoje com 33 anos.

Marina é protagonista de uma história real, vivida por mais de 11 milhões de brasileiras, segundo uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), e que mostra, por trás da celebração de "mulheres guerreiras", existe, na verdade, um contexto que não deixa outra opção. Janaína Feijó, responsável pelo estudo, resume a dificuldade enfrentada por essas mães. "Essa mãe praticamente não tem com quem contar, ela não tem uma rede de apoio e ela não conta também com o cônjuge, que faz com que a sobrecarga da maternidade recaia muito mais forte sobre a mãe nestas condições."

No começo da carreira quando engravidou, Marina teve que lidar com o mercado de trabalho sendo mãe, e precisou dobrar a jornada, enquanto deixava o filho com a mãe, para conquistar sua autonomia financeira. "Fui me consolidando no mercado, abri minha própria clínica, fui para a faculdade e hoje sou biomédica", afirma.

AONDE DÓI?

Para muitas mulheres, a parte financeira é mesmo uma das mais difíceis. Quando se divorciou, há 14 anos, Isabel Cristina Soares, 46, por exemplo, não imaginava o tamanho da carga que teria ao criar as duas filhas, hoje adultas, sozinha, após as meninas sofrerem negligência do pai. "Ele sempre pagou pensão, mas uma pensão que nunca cobriu os gastos reais de duas crianças", conta.

No entanto, a ferida emocional, que muitas vezes transborda para os filhos, é um problema crônico e ainda mais complexo. "Eu tinha que pensar em babá, em afazeres domésticos, em vida social, ficava esgotada física e mentalmente, e até hoje faço muita terapia para isso. Não tenho manual de instrução como mãe, as crianças também não vêm, e sei que muitas das minhas atitudes devido à pressão psicológica deixaram marcas, nas minhas filhas, que se eu tivesse tido apoio emocional ou elas tivessem tido apoio do pai não teria deixado", diz.

Para a psicóloga Juliana Camilo, o aumento no número de mães solo nos últimos anos no Brasil tem uma faceta sombria sobre as costas da mulher contemporânea, devido à crença de que ela é "suficiente" e, portanto, dá conta do recado. "Perpetua-se esse conceito e, por consequência, a sobrecarga. A mulher contemporânea, após ser condicionada de cuidado, precisa dar conta de todos os aspectos da vida, mas possuindo as mesmas responsabilidades adicionadas à pressão da maternidade", pondera.

Tudo isso, segundo ela, resvala invariavelmente sobre o psicológico - abalado, por sua vez, com ainda mais peso colocado por pessoas de fora, que historicamente sempre julgou a figura materna. "A solidão, as cobranças, as desigualdades e a constante tentativa de ser suficiente, enquanto uma sociedade diz que ela nunca será. É uma constante sobrecarga, não é fácil."

O QUE É FAMÍLIA

Há, felizmente, histórias que não precisam passar pelo sofrimento para terminarem com final feliz. Ainda, assim, esbarram em questões complexas. É o caso de Bárbara Caparroz, 34, que tem guarda compartilhada do Joaquim, 6, com o ex-parceiro, e pode contar com afeto paterno, mas que diz precisar driblar o que a sociedade entende por amor. "Ele teve uma época de questionar por que os pais dos amigos moravam juntos e os dele não, por que ele tinha que ir de uma casa para outra. Hoje ele transita bem nisso, mas desabafa, dizendo que é cansativo ter duas casas, e isso é muito forte", conta.

Não é fácil. Mas o que é família, afinal? Para ela, é mãe e filho com seus cachorros e gatos, mesmo com os perrengues. E assim deveria ser normalizado, na visão da psicóloga. "Passou da hora de desassociarmos o conceito de família margarina a uma família 'completa', composta por pai, mãe e filhos, e alterarmos o termo para 'família requeijão': aquela composta por relações saudáveis, livre de representações sociais, afinal a função da família é de fornecer apoio, afeto e acolhimento, independente de sua composição", finaliza.

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