Meu pai me contou certa vez que um bom amigo seu, lá pelos anos sessenta, ao convidar outro para saírem e se divertirem, teve como resposta um "Eu estou sem tempo!". Neste momento o amigo do meu pai teve uma faísca preciosa de inspiração e respondeu, de pronto: "Ter tempo é uma questão de organizar prioridades na vida!" (ou algo próximo disso).
Meu pai gostou do insight e o levou consigo, vida afora. Eu, quando o ouvi dele ainda menino, tomei para mim, mas meio a contragosto, devido ao seu "sabor ácido residual" ao ser utilizado.
Ele sugere que sempre temos tempo para tudo o que é importante na nossa vida, e quando ele "falta", a "culpa" é exclusivamente nossa, pois não escolhemos empregar esse precioso recurso naquilo que "realmente" nos "satisfaz" e contribui "verdadeiramente" com os nossos objetivos. O excesso do sinal de "aspas" foi proposital, para assinalar onde esse pensamento tem seus problemas, quando aplicado na prática.
De fato, o uso do tempo em parte se assemelha à gestão de um recurso de vida e devemos, sim, estar conscientes das nossas escolhas para que ele seja o solo fértil onde nosso potencial se realiza. Contudo, o problema não se resume somente a isso.
Não somos perfeitos; ouvir o nosso coração e suas vontades pode ser bem difícil, sem um nível mínimo de autoconhecimento, e este se adquire com estudo, meditação, mas também a experiência que a vivência traz. Isso significa que, ao menos no início da nossa vida e dos processos, as nossas escolhas se mostrarão por vezes equivocadas, pois confundimos "oportunidades" com "distrações" e investimos errado nosso tempo, mesmo tentando acertar (hoje estou para "aspas", hein?).
Isso é bem natural, visto que somos muito mais semelhantes a obras em andamento do que projetos terminados e bem-acabados. O que é uma prioridade para uma alma de adolescente certamente não o será para a mesma pessoa com quatro ou cinco décadas de vida. As escolhas deles não são certas ou erradas, elas são atreladas à mente que as produzem.
Não é nada produtivo e saudável, então, ficar discutindo e julgando decisões do passado, pois sempre escolhemos o melhor, com os conhecimentos disponíveis. Sem sentido também ficar ansioso e excessivamente preocupado com o acertar o tempo todo, pois seria de se esperar um alcance de visão para o futuro irreal.
Culpa, remorso e arrependimento podem existir, mas limite-os ao tempo deles, pois não têm o direito de roubar o brilho da vida que se ganha quando se escolhe o caminho que lhe parece bom (porque de fato ele o é. Ninguém escolhe conscientemente o fracasso).
Tornando-se mais sábio e maduro, mudar as escolhas não é sinal de inconstância e incoerência de opinião. Trata-se do ato que põe fim a uma linha de pensamento que não deve deixar resto, pois dela emerge uma outra pessoa, com ideais mais claros e por isso capaz de ajustar-se a uma realidade recém-descoberta, fazendo escolhas melhores.
Empregue o seu tempo, então, com o seu melhor cuidado e sabedoria, refletindo a vontade do seu coração nas suas ações, porém o faça com leveza e desprendimento, não porque não irá errar, mas sim porque sempre tentou acertar e sempre será tempo de se corrigir, sem turbilhões emocionais associados.
Alexandre Martin é médico acupunturista e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)