OPINIÃO

Ciclo feminino, prosa e poesia

26/01/2024 | Tempo de leitura: 3 min

O modelo e a teoria da medicina tradicional chinesa se desenvolveram há milhares de anos, mesmo antes de existir o país a que chamamos modernamente de China. Os primeiros textos que foram encontrados têm mais de 2000 anos de idade e narram teorias e tradições que já eram há muito utilizadas e por isso, as bases teóricas da acupuntura e a fitoterapia chinesa têm origens mais antigas ainda, difíceis de serem determinadas precisamente.

Isso posto, é mais fácil compreender que estudiosos e práticos desta tradição não eram médicos, somente. Eram filósofos, astrólogos, biólogos e botânicos (talvez "naturalistas" os descreva melhor) dentre outras tantas ocupações que hoje estão "separadas", mas que naquela época eram exercidas todas ao mesmo tempo, cada qual se complementando dentro do trabalho destes "sábios".

Neste contexto, os critérios do que hoje entendemos como ciência eram mais tênues, as áreas de estudo como a literatura, em prosa e poesia, ajudavam o desenvolvimento das ideias e teorias mesmo da área médica, o que pode parecer estranho para nós, ligados à exatidão do nosso próprio tempo.

Com isso, estudar os textos clássicos pode ser uma experiência de vislumbre e sabedoria, algo tão agradável quanto ler um romance. Tomemos, por exemplo, a descrição do processo do ciclo de fertilidade da mulher.

Os textos tradicionais o comparam com a mudanças das estações e os grandes ciclos da natureza, como se as mulheres vivessem, mensalmente, a transição das estações em cada etapa do ciclo, preparando o próprio corpo para o maior milagre de todos: a vida.

Vejam, que do ponto de vista destes sábios , se a natureza tem o dom de criar "vida" por intermédio dessa sucessão de fenômenos , a mesma receita pode ser seguida por quem carrega em si a mesma capacidade, alternando ritmicamente do potencial yin e yang do próprio corpo.

Desta forma, a primeira parte do ciclo, a partir do primeiro dia de menstruação até a ovulação é uma fase regenerativa, semelhante ao inverno que começa com uma quietude e posteriormente começa a se desenvolver e crescer com a primavera.

No corpo da mulher a potencialidade yin se mostra dando ao endométrio, que é o revestimento interno do útero, o repouso necessário para a cicatrização do processo menstrual anterior para que possa finalmente crescer e se desenvolver.

Mulheres que tem o seu potencial yin, de regeneração diminuído podem ter essa fase abreviada, de forma que os ciclos ficam mais frequentes devido a essa primeira fase ser mais curta. Essa alteração é comum quando se aproxima o período da menopausa, caracterizado pela perda desse potencial yin especificamente.

O processo de ovulação é quase milagroso em si e, energeticamente, se traduz pela mudança do predomínio da polaridade yin para yang no processo do ciclo, ou seja, o fim de um processo de regeneração para o início de uma fase de atividade e calor, tal como o verão. Neste ponto o ciclo dará continuidade com uma fertilização (se juntando com o potencial yang de um dentre bilhões de espermatozoides) ou caminhará para o outono, onde o yang será recrudescente e terminará em um processo de poda e eliminação do endométrio que não foi utilizado.

Tal como na natureza, o ciclo se continua e um novo processo então se inicia. De forma alguma a vida pode parar… na prosa, poesia ou na fisiologia feminina.

Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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