OPINIÃO

Sua dor se veste como?

19/01/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Peguei-me em meio a uma gargalhada aqui. Isso é muito bom, visto que me encontro em frente ao computador para escrever um assunto pesado para meu seleto público ler em uma sexta pela manhã: a dor.

Tema de muita relevância para mim, tratando-se da causa mais frequente para se procurar um médico acupunturista. Algo bem denso, também. Normalmente a dor é associada somente com desconforto e sofrimento, chegando a alguns requintes de crueldade quando ouvimos de quem tenta a aliviar a frase desesperadora do "não tem o que fazer…".

O encontro com a dor é algo tão inerente à experiência de estar vivo que é comum a todos que conhecemos. Mesmo os bebês, antes de deixarem o aconchego do seio materno, experimentam a sua porção de dor com as cólicas que são tão típicas desta idade.

Será que uma explicação sobre os circuitos neuronais de dor, suas ligações com os sistemas endocrinológico e imunitário seria útil para descrever o quão profunda é a experiência com a dor? Quiçá de alguma forma aliviá-la? Essas digressões têm sua importância, verdade; contudo, me veio a inspiração de propor ao leitor(a) um novo exercício, aqui, no meu singelo espaço onde letras e palavras se transformam na minha voz na mente de cada um.

Qual seria a cara da sua dor? Se ela fosse alguém, como seria? Como se vestiria?

Imagine uma cena em uma peça teatral chamada "Sua Vida", onde sua dor iria tomar forma de um ator em uma cena que se passa, digamos, em uma padaria très sympathique da nossa cidade.

Em um encontro para um café no meio da tarde, sua dor lhe faria uma revelação! Caso ela fosse entrar agora em cena no palco da "Sua Vida", que "figurino" ela iria escolher? Pensaram alguma vez nisso?

Tenho certeza de que, para muitos, uma pele de dragão, de gigante ou mesmo de uma mistura de ambos acabou de ser retirada do "guarda-roupa "da sua imaginação para ser utilizada. Peço que abra espaço para um figurino novo para esse velho personagem, sim?

Na minha mídia social, insisto muito que a dor não é o problema em si. Ela é um sinal de que uma atitude precisa ser tomada com relação a algo que ela aponta. Neste caso, imagino a dor vestindo "a pele" daquele seu amigo ou amiga (todos têm um destes!) que é bacana, tem boas intenções para com você, só que… não é muito agradável de se conviver. Tem algo nele que te leva a ter certa "repulsa" pela presença dele.

Sabe aquele(a) que de amigo-secreto ganha um conjunto de desodorante e perfume? (entenderam o porquê da minha gargalhada agora?). Aquele que se veste de maneira extravagante para ser notado da esquina, que fala alto demais e todo mundo em volta fica olhando? Quando lhe vê só pensa em lhe abraçar e falar coisas importantes assim… "no pé do seu ouvido ", próximo demais daquela barba grande, grossa e desarrumada?

(Rindo de novo, aqui)

Assim "se veste" a dor. Ela tem muito para transmitir, mas não é nada agradável ou conveniente. Por vezes gostaríamos de disfarçar e fazer de conta que "não é conosco o papo", porém, ela demanda atenção imediata e a nossa negligência é que a deixa assim, tão em destaque no cenário.

Espero que uma visão bem-humorada tenha aberto espaço para que cada um possa dedicar o tempo devido ao cuidado deste nosso(a) amigo(a) um tanto … esdrúxulo, mas que tem algo importante para nós. E bom café!

Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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