OPINIÃO

Os excessos e o medo do novo

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Você foi feito para mudar e se adaptar. Escrevo e digo mais além: mudança e adaptação estão escritas no seu código genético.

Pode parecer uma frase motivacional, que com muita facilidade nós encontramos nas mídias sociais, ainda mais nesta época de início de ano, quando as expectativas para todos os desejos e desafios estão bem elevadas.

Nada disso. Trata-se sim de um fato, uma herança da nossa evolução.

Vejam, nossos corpos são produtos de milhares de anos de sobrevivência, testados no ambiente selvagem. Como nunca fomos "animais" particularmente rápidos, com couraças na pele e nem mesmo fortes (todos os nossos primos evolutivos, os símios, são de quatro a cinco vezes mais fortes que o ser humano mais forte) fomos forçados a nos defender com a ferramenta que nos caracteriza: nosso cérebro.

Sob este aspecto, estritamente, o nosso sistema nervoso (o cérebro e os nervos que dele se espalham pelo corpo, indo e vindo) foi feito para analisar rapidamente o ambiente e promover mudanças pontuais no nosso comportamento, normalmente para que assumamos uma postura favorável com relação ao que está acontecendo ao nosso redor, ou até mesmo com relação ao que virá a acontecer.

Assim, durante uma caminhada na praia, nossos nervos da pele percebem que o Sol está forte e nos queimando. O cérebro produz uma sensação de calor e faz com que nos sintamos incomodados até que os nossos nervos ligados nos nossos músculos, nos levem para uma sombra ou algo assim.

Agora, vejam esse ponto interessante: o sistema aprendeu (ele é inteligente!) a antecipar as necessidades. Voltando no exemplo, os nossos olhos, nervos especializadíssimos em detecção de luz, podem perceber que o Sol está luminoso e intenso antes de saímos para a caminhada. Isso evoca sensações ruins (por vezes traumatizantes) que tivemos anteriormente por lesões de queimaduras solares. Imediatamente, querendo evitá-las, nossos músculos procuram o nosso protetor solar e tratam de aplicá-lo no próprio corpo.

Essa capacidade de aprendizado e "antevisão" talvez tenha sido o nosso maior trunfo, mas hoje, especificamente, ela se constitui em um desafio: com o desenvolvimento tecnológico se dando em ritmo exponencial, a capacidade do ser humano em antecipar eventos se tornou desproporcionalmente grande, se levarmos em consideração as suas necessidades básicas do cotidiano.

Com celulares e mídias popularizadas, sabemos literalmente dos eventos que estão ocorrendo do outro lado do mundo, segundos depois que despontam. Muitas vezes, com áudio e imagens associadas.

Para um sistema acostumado a "garimpar" certas pistas do entorno para descobrir a presença de presas, predadores e afins (como sempre foi por milênios) esse excesso de informação "inunda" nossa mente e de repente queremos reagir a tudo, corresponder a todos, nos comparamos com indivíduos que postam fragmentos da própria vida a nível mundial, em contextos que não tem nada a ver com os nossos próprios.

Informação livre e rápida é um recurso excelente, mas, como tudo na vida, o seu excesso pode ocasionar um desconforto inédito para seres que se desenvolveram graças a sua capacidade de adaptação: o medo do novo, pois traz uma urgência e necessidade de readequação na proporção excessiva em que se apresenta.

Alexandre Martin é médico especializado em acupuntura e com formação em osteopatia e medicina chinesa (xan.martin@gmail.com)

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