DIREITO HUMANO

'Saidinhas' também civilizam sistema prisional, diz advogado

Para especialista, saídas temporários de presos são direitos que corroboram processo de ressocialização após a liberdade

Por Mariana Meira | 07/01/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Jornal de Jundiaí

Para Daniel Bertelli, não é possível pensar uma sociedade com possibilidade de recomeços sem 'votos de confiança' durante pena
Para Daniel Bertelli, não é possível pensar uma sociedade com possibilidade de recomeços sem 'votos de confiança' durante pena

Em algum momento no marasmo da rotina carcerária, os portões se abrem, o presidiário tem sua liberdade provisória para visitar a família e, por algum motivo, não retorna à cadeia no prazo previsto. A cena não é uma ficção - acontece de fato -, mas parece flutuar no imaginário da sociedade brasileira como uma regra para todo e qualquer presidiário e acaba entrando no rol dos temas mais "Fla-Flu" da política nacional.

A questão das saídas temporárias voltou com força aos debates mais calorosos desde que notícias sobre detentos que descumpriram as medidas impostos pelo judiciário durante esse benefício no Brasil tomaram os tablóides do país. "Esse é um tema que gera polêmica porque se trata de uma pessoa que, antes de cumprir sua pena, sai. Mas isso gera desconforto principalmente para quem é de fora da persecução penal, e é preciso entender algumas coisas antes", frisa o advogado criminalista Daniel Bertelli Queiroz Corrêa, de Jundiaí.

Faz parte dessa seara compreender, primeiramente, a função da pena: tolher direito por punição ou punir para devolver direitos? "Os dois", responde o especialista. "Primeiro, a pena vem como retribuição, como se fosse um 'tapa na mão' porque aquele sujeito fez algo que a sociedade não permite. Mas, em segundo lugar, temos uma questão preventiva, que toca no ponto da ressocialização, que rege que o indivíduo que foi sentenciado seja colocado nas mãos do Estado e tenha a chance de ser colocado de volta à sociedade, em um processo civilizatório."

É aí que entra a questão das saídas temporárias, uma alternativa que, há décadas, foi constituída no Brasil como uma possibilidade de permitir que a população carcerária exercitasse uma convivência social como "preparação" ao dia em que cumprisse totalmente sua pena.

Corrêa lembra que esse benefícios não é fornecido de forma deliberada. Só valem para presos que estão em regime semiaberto ou aberto - os que estão em regime fechado permanecem sem poder sair. Além disso, o período de afastamento do cárcere não pode ultrapassar 7 dias consecutivos e há horários previstos para circular, com restrições totais a determinados tipos de estabelecimentos, como bares e casas noturnas. Presos por crimes que envolveram morte, como homicídios e latrocínios, também não podem receber o benefício.

Essa permissão ocorre tradicionalmente em feriados e datas festivas, não sendo um direito universal entre os presos. De acordo com um relatório da Secretaria Nacional de Políticas Penais, apenas 118.328 dos 644.794 detentos em celas físicas estão no regime semiaberto, e nem todos preenchem os critérios para usufruir das "saidinhas".

A Lei de Execuções Penais 7.210, de 1984, regula essas saídas temporárias, exigindo bom comportamento, cumprimento de um sexto da pena, e primariedade para os beneficiados. Em caso de reincidência, o tempo de pena a ser cumprido aumenta para um quarto.

ANTAGONISMO

Em agosto de 2022, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar uma proposta que extingue saídas temporárias de presos dos estabelecimentos prisionais. O texto aprovado era o substitutivo do relator, o deputado Capitão Derrite (PL-SP), à matéria original, colocado no lugar da limitação das saídas a abolição completa do benefício. "A saída temporária não traz qualquer produto ou ganho efetivo à sociedade, além prejudicar o combate ao crime", comentou o parlamentar, à época.

A pauta voltou à tona após o último Natal, quando senadores, movidos pelo fato de que muitos detentos não retornaram ao presídio após as "saidinhas", passaram, mais uma vez, a analisar o fim do benefício.

Para Corrêa, um dos pontos mais graves da pauta está mais na raiz: as condições às quais o presidiário está submetido para ser punido e, posteriormente, retornado à sociedade. Cenários insalubres de sobrevivência fazem parte desse debate, segundo ele. "Em muitas cadeias não há qualquer condição de aquele sujeito melhorar. Ele não está ali pensando em sua evolução como pessoa, ele quer saber se vai sobreviver, se vai comer aquela comida azeda, se vai ter remédio quando ficar doente. E quando ele for libertado, como ele estará? Sentindo amor pela sociedade? É exigir demais desse indivíduo", opina.

1 COMENTÁRIOS

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  • VIVALDO JOSE BRETERNITZ
    07/01/2024
    Que bonito, ver o \"seu doto\" preocupado com seus clientes...