OPINIÃO

Gravatinha borboleta!


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Terno azul-marinho, com calça curta, claro, camisa branca de manga comprida, gravatinha borboleta da cor do terno e meias três-quartos. Este era o uniforme que os meninos da Cruzada Eucarística Infantil usavam nos primeiros domingos do mês, quando ocorria a reunião geral. As meninas tinham de usar vestido branco, boina da mesma cor e meias iguais a dos meninos. Quem não estava uniformizado não podia nem entrar na fila para a missa das 7h30. Isso tudo, no final de 1959 e início de 1960.

Confesso que sofri muito nos primeiros meses em que comecei a fazer parte da "cruzadinha". Sempre de paletó, sempre de calça curta e, nos demais domingos, camisa também de manga curta. O sofrimento sempre ocorria no primeiro domingo. Aquela gravatinha apertando a garganta... Se não bastasse isso, o jejum antes da comunhão era de três horas, o que significava que tínhamos de ir à missa sem poder tomar o café da manhã.

E isso tudo me deixava fraco! Me lembro que num desses primeiros domingos o sofrimento foi maior. Suava frio! Fraqueza por causa da fome e o calor se misturava com o frio do medo de desmaiar ou cair no banco, fazendo barulho como já tinha visto acontecer com outras crianças em outros domingos.

Queria sentar, mas queria me mostrar forte e me manter em pé. As pernas tremiam, olhava para as pessoas para ver se alguém se compadecia de mim, mas todos estavam atentos à missa. Foi quando senti duas mãos segurando meu braço direito, dizendo para eu me sentar, para não cair. Olhei assustado e, de branco que estava, fiquei vermelho. Maria Josefina, uma das coordenadoras da Cruzada e que a gente chamava de "zeladora", me fez sentar. Maria Josefina era responsável pelos meninos durante a missa.

O susto me fez melhorar, mas minhas pernas tremiam tanto que me sentei. Maria queria me levar à Sacristia para tomar água, mas eu já não conseguia me segurar em pé. Maria de Lourdes, irmã de Maria Josefina, era a responsável pelas meninas - a gente chamava só de Lourdes para não confundir os nomes -, chegou com um copo de água. Não queria beber, pois disse que ia comungar. Maria teve de explicar que água não quebrava jejum. Me lembrei do catecismo para a primeira comunhão e devorei a água toda.

Senti que minha cor foi voltando ao normal. Quando a missa terminou, o comentário era geral: todo mundo falando o que tinha acontecido comigo. Me chamavam de protegido das "Marias". Até padre Hugo, que estava celebrando a missa, veio falar comigo. Me senti, na verdade, o mais importante de todos, já que os "cabeças" da Cruzada estavam preocupados com a minha situação.

A partir deste domingo, quando me imaginava passar mal na missa, olhava para o banco de trás, onde Maria estava, e me sentava, com ela concordando com a cabeça.

As "Marias" foram exemplos de vida a serem seguidos. Maria Josefina sorria o tempo todo, sempre atenta às crianças. Minha satisfação era de nunca ter levado uma bronca. Maria de Lourdes, eu achava mais séria, mas muito mais didática. Tinha a outra irmã, mais nova, Maria Tereza, a mais brincalhona das três, mas por quem nós tivemos que rezar muito quando pegou meningite, e fizemos uma festa quando reapareceu nas reuniões completamente curada.

Claro que o tempo foi maldoso ao afastar pessoas que se quer bem, mas a saudade é a forma exata de reaproximar o ser humano. Nem que seja num leve toque de memória!

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)

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