OPINIÃO

Chama luminosa do agradecimento

29/12/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Gratidão e agradecimento têm aparecido frequentemente na mídia, de forma que falar disso pode parecer redundante. No entanto, não acredito que realmente seja esse o caso pois existem muitos aspectos tão importantes que explorá-los só aumenta a força que a gratidão pode ter.

Primeiro, o agradecimento não é algo montado tal como uma "receita de bolo" a ser seguida em um passo-a-passo rígido para se obter um produto final. Descarto com isso aqueles jargões (até um pouco tóxicos, na minha opinião) de que "você tem que agradecer a tudo que acontece na vida porque é o melhor a se fazer".

Vejo mais a gratidão como flor rara e preciosa que surge no "campo fertil" da história de vida de cada um, sempre o fazendo na época certa e dentro do seu tempo. Acredito que o agradecimento só é genuíno quando ele nasce per si, "regado" por um entendimento maior, uma percepção mais ampla da vida.

Como é isso?

Só podemos ser verdadeiramente gratos por algo quando compreendemos como ele se encaixa na nossa vida, segundo um contexto mais amplo. Com frequência não sabemos a profundidade e o sentido dos fatos que nos envolvem no mesmo momento em que eles se dão. Por isso mesmo temos as sensações como surpresa, decepção e arrependimento, tão comuns na experiência humana.

Medite sobre um destes sentimentos: a decepção. Como ela surge? Quando algo que esperávamos que fosse acontecer de determinada maneira se manifesta revelando-se radicalmente diferente de tudo que era aguardado. Como poderíamos ser gratos por isso? Antes de tudo, precisamos admitir que seria "forçar a barra" agradecer por uma decepção no momento em que ela chega.

Imagine uma criança que espera ganhar um determinado brinquedo. Chega então a sua madrinha, que ela tinha certeza que iria satisfazer o desejo "de primeira" dando-lhe algo interessante, mas não o esperado. Chega o tio querido e … " bola na trave" ; Nada do brinquedo.

Assim se seguem o primo, a avó (até você, vó?), a tia distante, o vizinho… Caramba! Ninguém vai dar o brinquedo certo para essa criança?

Criei o cenário para chegar neste ponto: seria insólito (bizarro,até) se a criança aí falasse: "Quer saber? Sou grato por ninguém me dar o brinquedo, pois tudo o que nos é dado, pode ser retirado! O melhor mesmo é construir e merecer a capacidade de ter o brinquedo pelas minhas forças e trabalho. Isso vai me fortalecer para além do que eu imagino!". Caso escrevesse isso, no mínimo o leitor(a) iria me questionar se realmente era uma criança falando, pois não trata-se de uma atitude infantil.

Entenderam? Somente com uma postura mais adulta, de visão mais ampla, seria possível essa interpretação e agradecer por um fato onde, mais do que qualquer benefício que o brinquedo daria para a alma da criança, despertou-se o espírito de conquista no coração daquele ser, que potencialmente seguirá perene e Indomável por toda a sua vida.

Essa é a energia da gratidão que surge depois de anos e experiência preparando o terreno do entendimento. De início é modesta, tal qual chama de vela, mas depois que se firma, faz-se presente nas cercanias sob a forma de luz forte como o clarão do sol.

O agradecimento mostra-se, então, não só como marca de conclusão de uma vivência, mas também sinal de sua aceitação e entendimento mais profundos, através de um caminho que começou em confiança e entrega.

Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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