OPINIÃO

Questão do Natal

26/12/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Não havia época mais feliz no ano do que o natal. Para mim, era um momento realmente mágico onde, por um dia inteiro, as pessoas só se preocupavam com presentes, boa comida, abraços, festa, comunhão... Eu sempre me empenhei muito em viver o natal de corpo e alma, mas ultimamente eu deixei de fazer questão do natal. A virada do dia 24 para dia 25 não me atrai mais como me atraiu durante toda a minha vida.

Minha primeira memória natalina é do cheiro de pinheiro que tomava conta da casa dos meus avós maternos. Isso porque o meu avô fazia questão de ter uma árvore de verdade dentro da sua sala para o natal. Para isso, ele ia até uma pequena floresta de pinheiros que ficava na região rural da cidade "caçar" a árvore ideal com um Ford Corcel II bordô comigo e minha prima para "ajudar". Ele amarrava a árvore no teto do carro e dirigia com todo o cuidado do mundo para que a planta chegasse inteira até em casa.

Enquanto isso, minha avó estava desembrulhando o seu gigantesco presépio de gesso e pintado a mão que retratava a cena do nascimento de Jesus. Ela limpava cada personagem com muito carinho para que eles brilhassem durante mais ou menos um mês debaixo da árvore do meu avô. Eu e minha prima também "ajudávamos" só olhando, já que quebrar uma daquelas peças seria um pecado. E lá estava a árvore cheia de luzinhas e um presépio que, juntos, ocupavam quase um terço da sala - um dos sofás tinha que ir para a varanda para dar o espaço necessário para a decoração natalina.

Em casa, meus pais se esforçavam muito para decorar a nossa pequena casa. E eles faziam isso com luzes e enfeites natalinos que minha mãe se orgulhava muito. Nós não tínhamos uma árvore de verdade e nem um presépio gigante, mas tudo isso era compensado com muitas luzinhas pisca-pisca que adornavam a janela da sala. Eu adorava olhar aquele colorido piscando sem parar durante a noite e um dos prazeres da minha infância era poder colocar o fio na tomada e dar vida à iluminação.

Mas as noites de natal não costumavam ser nos meus avós e nem na minha casa. O festejo sempre costumava ser na casa dos meus tios. Era ali que eu encontrava o meu tio vestido de Papai Noel distribuindo os vários embrulhos para toda a família. Nome por nome, cada um que era chamado precisava sentar no colo do bom velhinho para agradecer e ganhar um beijinho na testa. Uma vez vi o Papai Noel dando um selinho na minha tia. Aquilo fundiu minha cabeça e eu enchi tanto o saco de todo mundo que eles acabaram confessando que minha tia tinha um caso secreto com o Papai Noel e que não era para eu contar para meu tio. A farsa não durou uma noite.

Além dos presentes, tínhamos as comidas. A parte ruim era que por algum motivo que eu não entendia, precisávamos comer muito tarde. "Ceia se come perto da meia-noite", alguém tentou justificar. "E se não comer não ganha presente", completaram. Meu problema não era não comer, era ter que esperar até tão tarde. E eu esperava ansiosamente para comer o brigadeirão que minha tia fazia. Era a pincelada final na obra de arte da noite de natal.

Fui casado com uma moça filha de alemães e experimentei um natal muito diferente do que eu estava acostumado. Eles eram luteranos e por isso, rezávamos e cantávamos músicas de natal perto do por do sol, jantávamos cedo - amém - e trocávamos presentes. Antes das 21h tudo já tinha acabado, o que pra mim era ótimo, pois eu poderia passar o natal com a minha família ainda, pois lá na casa dos meus tios a festa estava só começando.

Meu primeiro natal com neve foi, justamente, na Alemanha. Cheguei lá na manhã do dia 24 e dei graças a Deus por eles terem o costume de celebrarem cedo. Mas foi nos EUA que eu vivi o natal dos filmes. A véspera é um dia quase que comum no cotidiano da família no qual fiquei hospedado no meu intercâmbio. O bicho pegava mesmo no café da manhã, momento de comer muito bem e de trocar presentes ainda de pijamas.

Não sinto mais o cheiro de pinheiro, não vejo mais o presépio no chão da sala, não vejo mais as luzinhas piscando, não sento mais no colo do Papai Noel, não sinto mais o sabor do brigadeirão, não rezo e nem canto mais e trocar presentes já se tornou raro. O pior nem é isso. O pior é que eu não faço mais questão mesmo. A cada ano que passa, eu vou minando o natal dentro de mim e eu nem sei o motivo. Talvez eu precise resgatar algumas tradições. Talvez eu tenha que criar novas. Talvez eu precise simplesmente de um milagre natalino. Eis a grande questão: como fazer o natal renascer em mim?

Para os que sabem a resposta e para aqueles que, como eu, não sabem: um feliz natal.

Conhecimento é conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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