Não sou um teólogo ou um especialista sobre história Sagrada, mas me considero um entusiasta no estudo da espiritualidade e recomendo às pessoas que também realizem os seus próprios estudos neste campo construindo conhecimentos através de tudo o que foi deixado por antigos Mestres e tradições.
Uma dessas histórias é sobre o período do exílio do povo Hebreus após a escravidão no Egito. É dito que ficaram 40 anos vagando pelo Deserto até chegar à "terra prometida" e com ela, a conquista da própria liberdade e identidade enquanto povo. Convido o leitor a fazer uma análise comigo dessa história e ver o que pode ser extraído para o nosso cotidiano.
Primeiro, cabe colocar que "quarenta" é um número que na linguagem e cultura hebraica é frequentemente utilizado para designar "demais", ou seja, uma quantidade muito grande, para além do que se pode (ou queira) contar. Uma situação equivalente para nós, falantes da língua portuguesa, seria quando uma mãe vai repreender o seu filho e usa a seguinte expressão: "Eu falei mil vezes para não fazer isso…!". De fato, ela não falou exatamente mil vezes aquele aviso, mas que o falou muito, além do suficiente para a criança entender.
Podemos então interpretar que antes de chegar à tão sonhada liberdade o povo ficou em um período muito longo de peregrinação, sem precisar exatamente o quanto, somente sabemos que foi demasiadamente grande.
Pergunto-me então o porquê, qual a necessidade desse período? Por que o povo não poderia se considerar livre no mesmo momento em que saiu da terra que os escravizava?
O conceito de escravidão foi muito discutido e ampliado nos últimos tempos e pode ser empregado de maneiras razoavelmente distintas nas mais variadas situações, mas em uma definição bem simples, escravidão é o trabalho compulsório sem ter a devida remuneração (ou retorno) por ele.
Pesquisas arqueológicas mostram que o povo Hebreu tinha no cativeiro sua moradia e recursos alimentares, mas não podia se desenvolver de forma independente, nem culturalmente e nem economicamente. O que "ganhava" em troca por todos os seus esforços era somente o mínimo para a sobrevivência, insuficiente para criar perspectivas de um futuro melhor (ou sequer diferente). O ponto é que, ao se libertar, mesmo estes exíguos recursos foram perdidos, de forma que, provavelmente, o sofrimento piorou em um primeiro momento, ao invés de melhorar.
Certamente, alguns achavam que a tal "liberdade" era cara demais, já que o ser humano costuma resistir a qualquer tipo de mudança, mesmo que ela seja para um intento melhor. A resistência é ainda pior, caso momentaneamente a situação seja difícil, com uma perda do conforto (frívolo) que a condição anterior ocasionava.
No meu ver, o período no deserto, em contato com a essência do próprio ser, sem distrações (o ambiente desértico propicia isso) é fundamental para eliminar qualquer ideia de que uma condição de escravidão, mesmo com qualquer benefício aparente, é melhor do que a expressão integral da própria vontade, ou seja, a conquista da liberdade.
Convido, então, nesta sexta, que o leitor(a) caminhe pelo deserto da própria mente e veja se tem trocado a sua valiosa liberdade (espiritual, de costumes, energética etc.) por migalhas de um pão que vem fácil, mas que não permite o aflorar do melhor de si. Desejo também coragem para sua libertação.
Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)