OPINIÃO

A vida não pode ser só isso

26/10/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Dia desses estava sentado no aeroporto esperando meu voo, que já estava atrasado por quase uma hora. Congonhas, né? Só quem já teve que sentar no chão de um espaço público devido à falência das pernas e à falta de lugar sabe o quanto tudo isso é desconfortável. Pelo menos tinha uma tomada do lado e pude carregar meu celular. A bateria já estava acabando devidos aos reels de Instagram e partidas de xadrez jogadas para matar o tempo.

Entediado, comecei a olhar em volta. Todas aquelas pessoas apressadas. Algumas com seus voos também atrasados, outras que deviam ir encontrar parentes distantes... Sei lá. Me vi tentando imaginar as histórias por detrás daqueles corpos acelerados.

Um em especial me chamou a atenção, dois na verdade. Eram duas mulheres com rostos chorosos, uma falou algo que me pareceu um pedido de desculpas enquanto a outra lhe empurrou afastando e saiu. Meu atraso pareceu um problema pequeno diante de alguém que tem uma discussão em um aeroporto.

Fiquei pensando sobre.

Acho que já disse em outra crônica que escritores são observadores e fofoqueiros. Pois é.

Me vi pensando sobre laços, vínculos quebrados.

Pra mim, que mudei de minha cidade e vim parar a quase mil e trezentos quilômetros de distância, esse é um pensamento que me pega. É mais difícil criar amizades depois da vida adulta. Creio que perdê-las deve doer muito. Em Congonhas? Pior ainda.

Me lembrei de uma madrinha, muito próxima na minha infância e que hoje perdemos contato. Ela se casou, mudou para o Rio de Janeiro. Eu tomei coragem e me mudei para São Paulo. E assim mal nos falamos.

É chato quando a gente se dá conta que algumas escolhas por mera rotina nos afastam de pessoas que queríamos perto. Pior ainda quando a gente se acostuma com isso.

A vida não pode ser só isso. Trabalhar, pagar contas, reclamar do chefe e comer uns sushis no dia 5, quando a conta ainda tem dinheiro. Antes de pagar o aluguel, é claro.

A vida não pode ser só isso! Trabalhar de segunda a sexta para encontrar com os amigos aos sábados pra comer pizza de calabresa ou muçarela. Sempre da mesma pizzaria. Por que arriscar? Lá pelo menos a gente conhece o sabor, conhece até o Juninho, o entregador. Sabe que ele demora cerca de vinte minutos. O tempo de duas ou três partidas de uno.

A vida não pode ser só isso. Me recuso a pensar que minha maior alegria seja uma carta matadora, só pra ver o Bruno reclamar da sorte. Ou quem sabe achar dinheiro nos bolsos antes de lavar a roupa. Acredito nas pequenas alegrias da vida adulta. Como dizia o Emicida. Mas é que eu quero mais...

Quero as grandes também!

A promoção no trabalho que me prometeram há dois anos. Aquela bike que se eu tivesse eu juro que pedalaria o dobro e sem esforço...

E entre promessas que fazemos sabendo que não iremos cumprir, eu lembro que os vínculos quebrados, ou ao menos distanciados pela rotina estão a um telefonema de distância. E eu aqui sem ter o que fazer sentado no chão do aeroporto. Reclamando de coisas que só dependem de mim.

Bem, acho que vou ligar para minha madrinha. É isso! Chega de reclamar. Se for para reclamar que seja do preço do pão de queijo daqui do aeroporto, R$11,90 é demais!

Mas hoje não!

A vida não pode ser só isso.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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