Passada uma década, os protestos de junho de 2013 no Brasil são revistos por pesquisadora e socióloga tão arguta quanto provocadora. O livro "Treze – a política de rua de Lula a Dilma" foi escrito por Angela Alonso, professora de Sociologia da Universidade de São Paulo. Ela não toma junho daquele ano como ponto de partida do que viria depois (mais protestos, um impeachment, a eleição de 2018, as crises menores e maiores no seu entorno). Alonso quer entender como se chegou até ali. Como o caldeirão com diferentes ingredientes estava sendo aferventado nos dois governos Lula e acaba por fumegar e entornar na cozinha de Dilma. A pesquisadora reconhece a dificuldade de se saber, na hora dos acontecimentos, o que de fato estava rolando. E quem eram os protagonistas nas ruas brasileiras – há tempos palco da esquerda tradicional. Seria uma nova esquerda em ação, em protestos posteriormente capturados por "onda conservadora", de novos atores à direita, como lamentaram analistas na época. Alonso defende que 2013 não foi "isso OU aquilo", e sim "isso E aquilo". Tudo junto e misturado. Junho nasce de demandas e anseios gestados bem antes, desde o primeiro mandato lulista. Ela parte de três grandes zonas de conflito: a da distribuição de recursos e oportunidades; a da moralidade da vida pública e privada; a da violência estatal legítima. Cada uma com sua face e reverso. Na primeira, a da redistribuição – de recursos, da posse da terra, da ocupação urbana – havia o lado dos que queriam continuidade e aprofundamento dessas políticas, assim como seu multiverso reconhecia que o Estado estaria capturando dinheiro da "sociedade empreendedora", por meio de impostos, para "doá-lo" a folgados de toda ordem. Na segunda, a da moralidade, dois campos antagônicos foram cultivados: o da não intervenção estatal na condução da vida pessoal – com a questão do aborto, por exemplo -- e o da moralidade na vida pública (o governo petista navegou nas tormentas do Mensalão e das suspeitas de superfaturamento de obras públicas para Copa do Mundo e Jogos Olímpicos). Também na vida privada, aparecem reivindicações dos movimentos LGBTQI+ enfrentando discursos e ações de caráter religioso e conservador. O terceiro ponto é o da violência legítima do Estado, em que duas pautas se sobrepuseram: o da segurança pública e a dos crimes políticos do Estado durante a ditadura militar. Lula propôs o Plebiscito do Desarmamento, por um lado, e criou a Comissão Nacional da Verdade (CNV), de outro. A CNV, levada adiante por Dilma, opôs vítimas da ditadura militar aos viúvos do regime de exceção. Mais turbulência. A pesquisadora derruba mito comumente associado àquelas manifestações: o da "espontaneidade". Junho foi convocado e estimulado por pelo menos quarenta entidades. Amplificado posteriormente por redes sociais e pela cobertura da mídia, não brotou do "acaso".
O texto acessível e por vezes bem humorado de Alonso facilita a vida do leitor, mas não cria zonas de conforto. Há provocações e divergências interpretativas. Um trabalho e tanto para revermos a história recente do país.
Fernando Bandini é professor de literatura (fpbandini@terra.com.br)