Opinião

Fio de sangue

07/09/2023 | Tempo de leitura: 3 min

De repente um fio, sem explicação, escorreu. De início, a moça imaginou que fosse alguma perturbação esporádica no organismo. Ficou na expectativa que desapareceria sozinho. Não foi assim. Melhor procurar a medicina. Depois de vários exames, concluiu-se que havia ali um tumor que necessitava ser retirado. O fio de sangue não era um acaso. Começou a se transformar em lágrimas. Mais exames e a data da cirurgia.

Aguardou o tempo da confirmação para dizer à família sobre a enfermidade que a desassossegava. O aguardo de todos. As orações que se multiplicaram. A vontade de apressar o tempo.

No dia da cirurgia, aberta, na mesa operatória, ao mexer em seus órgãos, a doutora percebeu que ali havia vida nova. Pelo que contaram, chamou a ginecologista e lhe disse que algo se mexera no útero. A médica respondeu que no útero o que mexe é uma criança. A doutora deve ter ficado entre olhar a moça com parte do corpo aberto e o lixo hospitalar. Costurou-a e chamou seus pais, já que o efeito da anestesia geral não passaria tão rápido. Disse-lhes que era a mãe ou o filho. Teriam eles que escolher. Assim que a paciente despertou, questionou-a sobre a gravidez que não fora comunicada aos médicos. Ela desconhecia. Mas e a medicina com os exames todos e tantos? E o formato do útero? A moça sabia apenas do fio de sangue que engrossou e do tumor no colo do útero. Mais detalhes sobre seu organismo caberia aos médicos que a atenderam. E o bebê já estava com 15 semanas. Para a moça, as alterações todas em seu organismo, os distúrbios, deviam-se à moléstia.

A insistência pela interrupção da gravidez, ou seja, pelo aborto, prosseguiu. A justificativa era de que não adiantava continuar, pois o bebê morreria no decorrer da gestação. Nesse caso, a mãe também poderia ir a óbito e deixaria o filho de 13 anos para o pai criar. Seria justo abrir mão de cuidar do adolescente para permanecer numa gravidez sem chance alguma? Como se nem toda vida importasse.

Semana passada, quando o bebê completou um mês, a mãe escreveu em seu Facebook: "Sim! No meio de um 'furacão' de medo, angústia, insegurança, ela se deu conta que só tinha a opção de seguir em frente, desistir não era opção, então ela engoliu o choro e sorriu, porque ela tinha CERTEZA de que o melhor estava por vir e que ele ia chegar (contrariando todas as estatísticas dos médicos) saudável e no tempo certo!"

Recordo-me que ao lhe dar, ainda em março, uma roupinha de bebê feita a mão, ela me escreveu: "Quando no meio de um furacão, onde às vezes mal me lembro de olhar o lado bom, o lado bom se apresenta" e que nossa mãe estaria fazendo roupinhas de tricô para ele.

Gravidez difícil. Quando nem sabia da existência dele, ácido no útero sobre uma lesão. Anestesia geral. Quatro quimioterapias e os pontos estourados por dentro, à medida que o bebê crescia, sem poder tomar medicações mais fortes. Em carne viva. Acima do dolorido, o encanto do pequeno que vinha.

Aguentou firme. Não era um lixo hospitalar. Era filho do amor dela com o marido. Era o irmãozinho do maior. Como ela escreveu: "desistir não é opção". Aborto é desistência. Coragem é transformar um fio de sangue lúgubre em advento.

Parabéns, Thaís! Que Deus cubra de bênçãos o seu Benício e você, bem como ao Léo e ao Miguel!

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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