Ele nasceu em 1938 em Marselha, no litoral sul da França, mas foi criado em outras praias: as do Rio de Janeiro. Seu pai, Albert, era um jornalista francês que aportou no Brasil no pós-guerra. O garoto Michel curtiu de cara um esporte pop em seu país, mas ainda mais popular nessas terras tropicais: o futebol. Virou jornalista esportivo, com um currículo invejável, no qual consta um Prêmio Esso, o mais prestigiado da imprensa brasileira. Falo de Michel Laurence, um dos grandes jornalistas de sua geração. Seu sobrenome francês (pronuncia-se "Lorrance") foi abrasileirado por muita gente para "Laurence" (como em "lauro"). Integrou o time pioneiro que implantou a revista "Placar", em 1970. Trabalhou em grandes veículos, como o "Jornal do Brasil", o "Estado de S. Paulo", as TVs Globo e Record. Acompanhou de perto a geração que conquistou pela terceira vez a taça Jules Rimet. Viajou com as "feras" de João Saldanha nas eliminatórias do Mundial do México. Virou amigo pessoal de alguns, como Carlos Alberto Torres, o "capita", e aquele Édson que o mundo reverenciou como Pelé.
De Pelé sobram causos. Tem aquela história, repetida com desfechos diferentes, de Pelé jogando pelo Santos contra o Vasco da Gama dos zagueiros Fontana e Brito. Finzinho de jogo, vitória parcial dos cariocas por dois a zero, Fontana começa a provocar o maior de todos: "Não tô vendo rei nenhum por aqui". Brito, mais esperto e experiente, mandou o colega calar a boca: "Não provoca". Mas o estrago estava feito: Pelé marcou duas vezes e empatou o jogo. No segundo gol, o camisa dez pegou a bola no fundo da rede e passou-a para as mãos de Fontana, com um recado: "Diz aí que o Rei mandou entregar". Mas a melhor me parece a que rolou no Haiti. O América do Rio excursionava e o jornalista acompanhava a delegação. No aeroporto da capital haitiana, uma idosa de olhar intimidador procurou Laurence e lhe perguntou em francês se ele conhecia "a feiticeira que preparava Pelé". Diante de resposta negativa, ela insistiu e pediu para ele procurar por essa bruxa, pois precisava saber o que a colega brasileira fazia para deixar Pelé tão bom de bola.
E haja histórias. Como a do atacante que "morreu de amor", ou a da bolada que cegou um promissor goleiro. Tem ainda a de Didi, o camisa oito bicampeão do mundo. Casado com a ciumenta Guiomar, o meia do Botafogo, em treino no Maracanã, diz que "perdeu a aliança". E toca a equipe inteira, de cócoras, a vasculhar o gramado. A foto dos jogadores engatinhando saiu nos jornais vespertinos. À noite, Guiomar foi visitar o marido na concentração. Didi recebeu-a e, para sua surpresa e alívio, ela o acalmou, dizendo que eles comprariam outra aliança, "ainda mais bonita". Nílton Santos, amigo de longa data de Didi, confidenciou ao jornalista: "Essa história de perder a aliança no treino é conversa. Acho que o Didi foi pra farra mesmo".
"Causos da bola" é uma edição póstuma, lançada em 2015, um ano depois da morte do jornalista. Foi preparada pela editora Realejo, de Santos. Leitura leve, para entreter público variado, incluindo os que nem acompanham futebol.
Fernando Bandini é professor de literatura (fpbandini@terra.com.br)
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Ricardo Morikawa 14/09/2023Excelente matéria Fernando! Não conhecia Michel Laurence, muito boas histórias do Futebol, parabéns pela homenagem ao grande Jornalista frances/Brasileiro.