Jorge de Lima é um dos grandes poetas da literatura brasileira. Em termos de reconhecimento popular, ficou alguns degraus abaixo de Drummond e Bandeira, e muitos abaixo do pop star Vinícius. Mas sua poesia tem a mesma grandeza desse elenco de mestres (aos quais se juntam facilmente João Cabral de Melo Neto e Cecília Meireles). Mas recordemos o "doutor Jorge", como muitos o chamavam.
Nascido em União (atual União dos Palmares), em Alagoas, no ano de 1893, de família aristocrática de donos de terras, Jorge de Lima teve infância de sinhozinho. O poeta conta que sua meninice foi recheada de histórias e personagens da cultura dos escravizados e seus descendentes. A fazenda de seu avô ficava na serra da Barriga, a poucos quilômetros do famoso quilombo dos Palmares, marco da resistência negra do Brasil colonial. Entidades, lendas e crenças de origem africana encantaram desde sempre o menino branco. Adulto, manteve-se pesquisador desses temas e deles lançou mão no seu livro "Poemas negros", publicado em 1947. Nesses versos, celebra a beleza das tradições da África que por aqui forçosamente aportaram por conta da abominável escravidão. Em seu admirável "Foi mudando, mudando", pergunta o poeta: "Tempos e tempos passaram/por sobre teu ser./Da era cristã de 1500/até estes tempos severos de hoje,/quem foi que formou de novo teu ventre,/teus olhos, tua alma?/Te vendo, medito: foi negro, foi índio ou foi cristão?" Este país multiétnico, variadíssimo nas tonalidades de pele e na origem dos antepassados, foi formado por tantas e tão diferentes culturas. O sonho de nós, brasileiros, formarmos uma república igualitária e multirracial aparece em "Olá, negro": "Negro que foste para o algodão de U.S.A./ou que foste para os canaviais do Brasil,/quantas vezes as carapinhas hão de embranquecer/para que os canaviais possam dar mais doçura à alma humana?/Olá, Negro!". Nesse poema, o eu lírico chama o escravizado e seus descendentes de "antigo proletário sem perdão". Aquele que seguiria preterido, se dependesse de uma parasitária e nefasta casta racista.
O sonho de igualdade racial apareceu antes na voz do estadunidense Walt Whitman (1819/1892), autor da predileção de Jorge de Lima, que vai celebrá-lo no poema "Democracia": "Punhos de redes embalaram o meu canto/para adoçar o meu país, ó Whitman./Jenipapo coloriu o meu corpo contra os maus-olhados,/catecismo me ensinou a abraçar os hóspedes,/Mãe-negra me contou histórias de bicho (...)". Em "História", os versos contam, na trajetória de uma princesa nagô, os padecimentos de toda ordem pelos quais mulheres escravizadas passavam: "(...) Depois foi ferrada com uma âncora nas ancas,/depois foi possuída pelos marinheiros/depois passou pela alfândega,/depois saiu do Valongo (...) apanhou, apanhou, apanhou".
Irrequieto, o poeta abraçou ritmos e variou formas. Usou os modelos parnasianos, de extremo rigor formal nos moldes clássicos, passou pelos versos livres modernistas, flertou com a irracionalidade das imagens surrealistas. Experimentador, desde sempre.
Jorge de Lima morreu em 1953, no Rio de Janeiro, aos 60 anos de idade.
Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)