ACESSIBILIDADE

Língua de sinais na Câmara é vínculo entre surdos e política

Em Jundiaí, projeto que envolve funcionários e comunidade surda mantém missão de não deixar comunicação chegar só a ouvintes

Por Mariana Meira | 28/05/2023 | Tempo de leitura: 4 min
Jornal de Jundiaí

DIVULGAÇÃO/CMJ

Luciano Germano é mentor de projeto de Libras na Câmara de Jundiaí
Luciano Germano é mentor de projeto de Libras na Câmara de Jundiaí

Hoje, qualquer telespectador que sintonizar o canal da TV Câmara Jundiaí pelo UHF ou pelas redes sociais vê a presença permanente da janela de Libras (Língua Brasileira de Sinais) do lado direito da tela. A ferramenta, prevista por uma lei nacional, é uma "moldura" atrás da qual uma equipe trabalha empenhada sob mentoria do intérprete Luciano Germano Gonçalves.

É ele um dos profissionais a se revezar, durante todo o tempo que durarem as sessões ordinárias e audiências públicas, para levar o debate no plenário em língua de sinais para a comunidade surda do município e região. "É uma sensação de dever cumprido estar ali, de saber que de alguma forma estamos chegando até essas pessoas. Até poucos anos atrás, elas nem questionavam não serem incluídas na política, porque simplesmente esse era um campo a que elas sequer tinham acesso", conta.

Aos 45 anos, Luciano mantém vivo o trabalho iniciado pelo pai, Germano Luiz Gonçalves, pioneiro nas Libras em Jundiaí. Surdo de nascença, ele foi a primeira pessoa a trazer o ensino da língua à comunidade após estudar no INES (Instituto Nacional de Educação para Surdos), no Rio de Janeiro. Foi ele quem fundou a Associação e Clube dos Surdos de Jundiaí (ACSJ), entidade instituída como utilidade pública segundo lei municipal.

 

DIREITO BÁSICO

Veio em 2020, durante a pandemia, o projeto de lei que obriga as emissoras de TV aberta a terem janela com intérprete de Libras em todos os programas de notícias, com o objetivo de garantir a acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva. A proposta ainda determina que haja janela em todas as peças de publicidade e propaganda governamentais, assim como em programas institucionais de entidades de administração direta e indireta de todos os poderes da União, estados, municípios e Distrito Federal.

Na Câmara de Jundiaí, no entanto, a necessidade de aproximar os cidadãos surdos surgiu anos antes, em 2017, quando Luciano foi convidado a coordenar um projeto de capacitação de Libras para os funcionários da Casa que tivessem interesse. Hoje, são sete pessoas formadas, que já fazem o trabalho de tradução simultânea em conteúdos de menor duração, como reportagens gravadas. "A ideia é que elas tenham autonomia para fazer as transmissões ao vivo depois que eu deixar o projeto de mentoria", diz ele, que trabalha sob licitação nos Legislativos de Jundiaí e de outras duas cidades. Além dele, outra intérprete profissional realiza o trabalho de tradução - por lei, cada um permanece por 20 minutos na tela, em revezamento até o final da transmissão.

Para Gabriel Milesi, diretor Legislativo da Câmara de Jundiaí, o trabalho tem um grande impacto social. "Esse é um projeto muito bacana que começou anos atrás e teve uma boa adesão dos nossos funcionários. É importante não só para as sessões, mas também para podermos proporcionar um atendimento mais inclusivo à população que visitar a Câmara."

MARCANDO HISTÓRIA

Há mais ou menos um mês, a Tribuna Livre, ferramenta de uso público da população em todos os inícios das sessões ordinárias, teve, pela primeira vez, em mais de 50 anos desde que existe, a presença de uma oradora surda inscrita para discursar.

Era Irene de Fátima Faria Mantovani, presidente da Associação e Clube dos Surdos de Jundiaí, que contou com a ajuda de Luciano para oralizar ao público ouvinte suas opiniões sobre a cidade e apelar por mais inclusão à comunidade. "Foi um momento muito emocionante", recorda o diretor, que acompanha as sessões. "E também uma reflexão para repensarmos e flexibilizarmos o tempo da Tribuna Livre, que é de cinco minutos por lei mas, no caso da Irene, estendemos para quase dez, porque é uma comunicação mais pausada."

Ao Jornal de Jundiaí, Irene falou, em Libras, sobre como foi romper essa barreira. "Está sendo muito importante a questão da inclusão e da acessibilidade. Temos a oportunidade de participar e entender sobre políticas públicas da nossa cidade."

CONSTRUÇÃO

Irene é uma das pessoas da comunidade surda do município a manter um trabalho constante de diálogo com Luciano e outras equipes de intérpretes atuantes. É graças a muitas reuniões que, hoje, cada vereador, por exemplo, tem seu próprio sinal, uma construção feita e várias mãos a partir da observação principalmene das características físicas, como penteados e uso de acessórios.

O mesmo ocorre com os bairros da cidade. "Começamos a escolher na pandemia, primeiro pesquisando sobre os aspectos da região e depois elaborando os sinais. Existe uma regra segundo a qual é a própria comunidade surda quem define tudo isso, nós só mediamos", conta o intérprete.

No site da Câmara de Jundiaí, estão disponíveis os sinais de cada parlamentar. Agora, segundo Luciano, a proposta é, até o final do ano, lançar um aplicativo para que todos os surdos possam acessar essas decisões, em um grande banco de dados de sinais referentes à cidade.

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