"Deus está morto e fomos nós quem o matamos." Gostaria de desenvolver essa famosa frase dita por Nietzsche aqui com você.
Para isso preciso que você responda essa questão: "Você ganhou uma viagem com tudo pago, mas pode escolher um desses destinos: A) Piracicaba, durante quatro dias, ou B) O lugar que você sempre quis conhecer na vida (não importa qual), durante um mês. Mas há um porém! Se escolher a opção B, você terá que tomar uma pílula assim que chegar em casa que fará com que você se esqueça de tudo o que aconteceu na viagem dos seus sonhos. Você não terá nenhuma memória dela. Será como se ela não tivesse acontecido. Qual você escolheria?
Não existe resposta certa. A única coisa que importa é o que essa resposta dirá qual a sua culpa nesse assassinato. Se você escolheu a opção A, fique tranquilo, você está com as mãos limpas, agora se você escolheu a opção B, melhor você procurar um bom advogado.
Brincadeiras à parte, vou explicar. E para isso terei que te fazer entender que não foi você quem tomou essa decisão entre A ou B, foi um dos seus dois eus interiores.
Começo a explicação te convidando a pensar sobre algo perturbador. E se eu te disse que não existe livre-arbítrio e que na verdade suas escolhas não são feitas por você? E se eu te disser que nossas escolhas são resultados de impulsos randômicos e bioquímicos?
A ideia de que somos indivíduos tem que ser deixada para trás por um instante para você continuar caminhando nesse texto. Indivíduo é algo indivisível, significa que você é UM. Mas experiências modernas já nos disseram que nosso cérebro, por exemplo, é dividido em dois e cada uma das partes trabalha de maneira diferente. O hemisfério esquerdo tendo mais influência sobre a fala e o raciocínio e o hemisfério direito desempenhando um papel mais decisivo sobre o processamento da informação espacial. Como no cérebro, também existem dois EUS: o eu que sente e o eu que narra.
O Eu que sente é o eu que vive pelas experiências sensoriais, mas que não se lembra. Já o Eu narrativo é o que se lembra das sensações e tece uma história sobre elas. O eu da narrativa percorre nossas experiências como um par de tesouras afiado e um pincel atômico preto e grosso. Ele censura - pelo menos alguns - momentos de horror e guarda no arquivo uma história com final feliz.
Acho que agora podemos voltar para aquela pergunta que fiz no início do texto: qual viagem você escolheria?
Para aqueles dominados pelo Eu Narrativo, a escolha não poderia ter sido outra se não a resposta A. Do que vale uma experiência se ela não pode ser lembrada depois? Já os dominados pelos Eu que sente, a resposta óbvia foi a B. Não me importo em lembrar, importo em sentir.
"Tá, mas o que isso tem a ver com a minha participação na morte de Deus?", perguntaria você. Vamos recorrer a Nietzsche.
A morte de Deus significa, em linhas gerais, deixar de acreditar na vida após a morte. Para aqueles que negavam os prazeres da vida por medo do que lhes aconteceriam depois de morrer, Nietzsche os chamavam de Niilistas, pois negavam a certeza da vida finita pela incerteza da vida eterna. Quando você deixa de acreditar em uma vida eterna (já que não existe nenhuma garantia de sua existência, a não ser a fé) e passa a viver baseado nas experiências e não em promessas e em histórias, você está matando Deus.
Ora meu amigo, eu não sei se você percebeu, mas aqueles que escolheram a opção B, claramente optaram por viver o momento, independente do que possa acontecer depois. Você, dominado pelo Eu que sente, escolherá sentir, pois inconscientemente você prefere a experiência do que a narrativa dela.
Como disse no início do texto, não há resposta certa. Mas ela diz muito sobre você. Diz sobre a sua preferência em valorizar a certeza da terra ou a promessa do céu. Diz muito sobre sua participação na morte de Deus.
Conhecimento é Conquista.
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)