Domingo depois do almoço, nos primeiros anos da década de 1960, era exatamente assim: pratos lavados rapidamente, com o auxílio de todos e um trocar de roupas em poucos instantes para não se perder o trem. Se num domingo normal, o almoço era às 12h, naqueles em que haviam viagens para São Paulo era diferente: meia hora mais cedo para dar tempo de não se atrasar.
Seu Alcindo apanhava o chapéu de ir à missa, dona Angelina colocava o vestido mais novo e os filhos vestiam a melhor roupa que tinham: o dia era para se visitar o Parque da Luz, comer um lanche e voltar para casa no final da tarde. A sacola com o pão, a faca e a mortadela rodavam nas mãos dos filhos, com todo cuidado. Caminhada de casa, na Vila Progresso até a Estação Ferroviária, na Vila Arens, levava cerca de 20 minutos, bom mesmo não se descuidar. Era costume, em nossos passeios, vermos seu Alcindo lá na frente, "puxando" a família, com seu caminhar rápido. Os filhos vinham logo em seguida, mas sempre alguém reduzia o passo para acompanhar dona Angelina que não tinha os passos tão velozes como os do marido.
Chegávamos à estação pouco antes da uma da tarde. Enquanto as demais pessoas enfrentavam a fila para comprar a passagem, seu Alcindo puxava a "fila da família" que tinha direito à viagem grátis. É que seu Alcindo era funcionário da Estrada de Ferro onde, de vez em quando, todos viajavam de graça. E a gente não podia perder esta oportunidade. Nem que fosse para ir até o Parque da Luz, ao lado da estação, em São Paulo, ver os pássaros, o movimento dos carros e retornar para casa.
Já na plataforma, acompanhávamos o movimento de pessoas comprando lanches ou refrigerantes na lanchonete da estação. Por volta da uma e dez lá vinha o trem, aparecendo bem na curva... Aglomerávamos para entrarmos no mesmo vagão. Os vendedores de biscoito já tomavam conta da plataforma, enquanto o trem estacionava para os passageiros se acomodarem nos vagões.
Por ser de outra companhia de trem, a máquina que puxava os vagões até Jundiaí e que era da Companhia Paulista, era substituída pela da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, para o restante da viagem. O gostoso era ver a máquina chegando, encostando nos vagões para que o funcionário da companhia pudesse fazer o "engate". Trem pronto, o chefe da estação conferia o horário: uma e dezessete em ponto! Apito na boca, maquinista solta o freio e lá vamos nós len-ta-men-te... e... a-ce-le-ran-do...ace-le-rando... acelerando...acelerando...acelerando...lerando... leran..ran...do...
Viagens inesquecíveis, com o trem percorrendo rapidamente o percurso. O mais gostoso da viagem era passar pelo túnel, em Botujuru. Como os filhos eram ainda pequenos, dona Angelina fazia questão de pedir para que todos dessem as mãos para atravessar a "escuridão" do túnel!
Ah! Vontade de voltar no tempo só para ouvir o apito do trem, para acompanhar o movimento das rodas sobre os trilhos, o caminhar das pessoas pelos vagões, o frear suave na estação... Mas como máquinas no tempo ainda não foram inventadas, a não ser no cinema, o jeito é mexer na memória, acordar os sonhos vividos e fazer de conta que tudo está acontecendo de novo... Nem que seja para sentir o coração bater mais forte. Como no ritmo do trem, seguindo os caminhos de seu destino...
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)
Comentários
2 Comentários
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José Valentim Zillo 12/03/2023Obrigado, Nelson, por despertar tão boas lembranças, pois eu e meus irmãos frequentávamos as plataformas da estação ferroviária da Santos Jundiaí, pois nosso pai ali trabalhou durante 23 anos, Todas as grandes economias do ´planeta mantiveram, ampliaram e melhoraram a malha ferroviária. D. Pedro II, apesar de todas as limitações da época, implantou milhares de quilômetros de ferrovias. Depois disso, os incompetentes, aos poucos, foram destruíndo esse meio de transporte que é mais barato apenas que o fluvial. Tivessem permanecido na iniciativa privada, as ferrovias brasileiras teriam crescido e progredido.
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Antonio Quirino 07/03/2023Meu coração bateu apertado e um nó na garganta fez me lembrar do passado e de meu velho pai e mãe que já partiram . Fez me lembrar da estação enorme que tínhamos em Bauru onde chegavam Noroeste, Paulista e Sorocabana . Bons tempos que alguém destruiu acabando com as ferrovias . Parabéns pela linda história .