Tenho pensado muito nos loucos. O cenário brasileiro contribui: antes baixo clero, os ignorantes chegaram ao poder e ignoraram limites. Agem como loucos. Alguns poucos são de verdade. O que me faz lembrar de um filme fundamental para nosso momento: "Esse Mundo é dos Loucos", produção francesa de 1966 dirigida por Philippe de Broca.
Eis o resumo: durante a Primeira Guerra Mundial, um destacamento de escoceses descobre que os alemães plantaram bombas em uma pequena cidade francesa. Do local sobraram apenas os loucos do hospício, que saem às ruas, ocupam seus espaços e, na inversão proposta pelo período em questão, revelam-se mais equilibrados que os fardados.
De um lado há o teatro assumido dos loucos que só conhecem a liberdade - com seu reino forjado graças ao medo dos outros, que sumiram - em tempos de guerra; de outro, o teatro dos militares, presos às pompas, aos rituais, às suas formas manjadas - logo desmascarados. Quem são os loucos? Os homens da guerra, com bombas e morte, ou os desequilibrados que viviam no hospício e, uma vez livres, encontraram harmonia?
No fim das contas, todo o universo em questão torna-se encenação, palco. Há quem assuma seu papel nesse teatro, há quem prefira acreditar na farda que veste. Não estranha que, a certa altura, apareça em cena um jovem - ainda soldado - Adolf Hitler.
Nem sempre os loucos revelam lucidez. Em "Dr. Fantástico", são apenas loucos. E estão fardados. Na obra-prima de Stanley Kubrick, Sterling Hayden interpreta um general que decide liberar alguns códigos secretos e apertar o botão vermelho. Ordena assim que os Estados Unidos ataquem a União Soviética com a bomba nuclear. Com fotografia em preto e branco e granulada, semelhante à de um documentário, o filme apresenta o ridículo da política - em seus salões ovais, em sua falsa diplomacia - em plena Guerra Fria.
Com frequência os loucos são sinceros: eles acreditam no que levam a cabo. O que talvez os diferencie (pelo menos os loucos do cinema) de presidentes e ex-presidentes reais, com alguma frequência inclinados a repartir o bolo do poder e fazer a real política dos conchavos. A aparência de loucura eles reservam à claque inflamada, ao discurso.
Prefiro os loucos sinceros. Penso, por exemplo, no louco invejoso de "Amadeus", de Milos Forman, o Antonio Salieri vivido com brilhantismo por F. Murray Abraham. Não se trata de comédia, mas de drama histórico. É sobre como um homem invejoso destruiu um gênio (Wolfgang Amadeus Mozart) e terminou enlouquecido, preso a um hospício.
Para um padre que o visita, conta como tramou para destruir o gênio que o eclipsou. É uma história difícil na qual ninguém é equilibrado demais. Ou na qual se finge o equilíbrio para, em vão, sobreviver à presença do outro. Na pele de Tom Hulce, Mozart é um louco à sua maneira infantil, de risadas estridentes e espontaneidade que não cabem no mundo formal de Salieri. A inveja resulta dessa impossibilidade de alcance e compreensão.
Forman havia realizado, anos antes, outro filme sobre loucos, ou quase loucos. "Um Estranho no Ninho" é sobre o desajustado R.P. McMurphy (Jack Nicholson), internado em uma clínica psiquiátrica. Ao não saber o que fazer com ele, o sistema julga-o fora das faculdades mentais esperadas do "homem comum" - se é que este é possível.
McMurphy lidera uma revolução no local. E descobre que nem todos os internos são desequilibrados. Apenas não encontraram, como ele, seu lugar na sociedade. Enquanto se divertem nos espaços externos da clínica, são observados pela vigilante enfermeira Ratched (Louise Fletcher), cujo ressentimento é tão visível quanto o de Salieri.
RAFAEL AMARAL é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com