À procura do ator

Rafael Amaral
| Tempo de leitura: 3 min

A escolha de um ator contribui e muito para o sucesso ou fracasso de um filme. É comum concluirmos, ao fim da sessão, que certo ator ou atriz não era o mais correto para a personagem desempenhada - sobretudo no caso de personagens adaptadas de livros ou outras histórias. Qual seria a melhor escolha para Ahab? Ou para Raskolnikov?

Jack Nicholson recusou o papel de Michael Corleone em "O Poderoso Chefão". Michael é o filho que volta da guerra e reluta, até certa altura, a se envolver com os negócios da família. Nicholson alegou que a personagem era italiana demais para ele. Concordo com a justificativa. Para nossa sorte, depois veio Al Pacino, imortalizado no papel.

Há casos de personagens que esperam um bom tempo até encontrarem o ator certo para desempenhá-los. Nos anos 1970, o diretor sueco Ingmar Bergman procurava um ator famoso para interpretar o trapezista judeu Abel Rosenberg em "O Ovo da Serpente", produzido por Dino De Laurentiis e filmado com bons recursos na Alemanha.

A saga pela busca do ator de "O Ovo da Serpente" - sobre o germe do nazismo na Alemanha do início dos anos 1920 - está detalhada em "Imagens", livro no qual Bergman passa por quase toda sua filmografia, sempre com olhar sincero, sem auto-elogios fáceis. Bergman mergulhou como poucos na alma humana; seu filme sobre o nazismo era também uma maneira de olhar para seu passado, já que ele, então um garoto em intercâmbio na Alemanha dos anos 1930, aprendeu a amar a ideologia nazista (caiu em arrependimento mais tarde, quando vieram à tona as atrocidades dos campos de concentração).

A primeira escolha para viver Abel foi Dustin Hoffman, com quem o próprio Bergman encontrou-se em viagem aos Estados Unidos. O ator leu o roteiro e chegou à conclusão, segundo o cineasta, de que não era o tipo indicado. Em seguida, Bergman contatou Robert Redford. Eles encontraram-se em Beverly Hills, ocasião em que o ator declarou que não podia fazer o papel de um artista de circo judeu.

Peter Falk também foi uma escolha e uma nova recusa. Em reunião com Bergman, De Laurentiis sugeriu Richard Harris, que atuava para o produtor em "Orca: A Baleia Assassina". Depois de um desencontro em Munique, Bergman voou para Londres para conversar com Harris. Tudo parecia certo, não fosse uma pneumonia adquirida pelo ator dias depois, causada por uma bactéria, fruto de seu mergulho em um tanque de água em Malta, nas filmagens de "Orca". Outro banho de água fria no diretor.

Quando tudo parecia acabado, o cineasta de "Morangos Silvestres" e "Persona" finalmente encontrou o ator que interpretaria Abel Rosenberg: David Carradine, que havia acabado de estrelar o sucesso de crítica "Esta Terra é Minha Terra", sobre a vida do músico Woody Guthrie. Carradine é mais lembrado pela série "Kung Fu" e por "Kill Bill". Poucos se lembram dele como o alcoólatra Rosenberg, preso à miséria da Alemanha pré-Hitler.

E nem todos se lembram que é de Bergman, esse artista genial, um dos melhores filmes sobre a ascensão de um sistema totalitário, para se ver de olhos abertos nestes tempos em que malucos e farsantes são alçados ao poder e até chamados de mito.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com

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