05 de dezembro de 2025
TÚNEL DO TEMPO

Água da Careta e bondinho: conheça a história de Franca

Por Pedro Baccelli | da Redação
| Tempo de leitura: 7 min
Sampi/Franca
Arquivo municipal
Água da Careta e desenho do antigo bondinho que rodou em Franca

Tudo começou no bairro Miramontes

O primeiro povoado surgiu em uma área conhecida como Covas, que servia como ponto de parada para tropeiros e carreiros vindos de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais, a caminho de Campinas (SP), em busca de sal. A viagem em carro de boi levava cerca de seis meses para ir e voltar. A antiga Igreja de Covas, onde esses viajantes costumavam descansar, fica hoje na região que corresponde ao bairro Miramontes, na zona Norte do município.

De Bello Sertam da Estrada dos Goyazes a Franca

Ao longo de mais de dois séculos de história - incluindo o período anterior à sua elevação à categoria de cidade - o local recebeu diversos nomes. Em 1802, era conhecido como Bello Sertam da Estrada dos Goyazes. Dois anos depois, passou a se chamar Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Franca – Sertão do Rio Pardo. Em 1821, adotou o nome Vila Franca D’El Rey, que, em 1824, foi alterado para Vila Franca do Imperador. Finalmente, em 1856, tornou-se Cidade da Franca, até ser chamada simplesmente de Franca, como é conhecida hoje. O nome é uma homenagem ao general Antonio José da Franca e Horta, que foi governador da Província de São Paulo de 1802 a 1811. Extraoficialmente, o espaço já foi conhecido também como Sertão dos Capins Mimosos.

Franca do Imperador. Afinal, o imperador visitou a cidade?

Não há qualquer registro histórico de que Dom Pedro I tenha passado por Franca - e isso faz sentido. Em 1819, o vigário Joaquim Martins Ribeiro registrou que o povoado tinha apenas 132 habitantes, dos quais 43 eram escravos. A região era dominada por pastagens e vales profundos, como descreveu o explorador Auguste de Saint-Hilaire em relatório de 1818. A explicação para o nome da cidade é bem mais simples. Desde 1809, o Marquês de Alegrete e o Conde de Palma solicitavam ao Governo de São Paulo que Franca, na época freguesia, fosse elevada à condição de vila. Apenas em 21 de outubro de 1821 a criação da vila foi oficialmente pedida, mas a mudança só ocorreu de fato em 28 de novembro de 1824. Como o Brasil já era um Império, o nome Vila Franca d’El Rey foi substituído por Vila Franca do Imperador, em homenagem a Dom Pedro I. Assim, cai por terra o mito da visita imperial. O único membro da família real com passagem registrada pela cidade foi o Conde d’Eu, genro de Dom Pedro II, em 1888.

Bondinho em Franca?

Acredite se quiser: Franca já teve bondinho! A Companhia Carril Francana, antiga responsável pelo transporte coletivo da cidade, operou um bondinho de tração animal por cerca de quatro anos. Em 1898, porém, o serviço foi encerrado devido a prejuízos. Moradores antigos contavam que o bondinho descia a atual rua General Osório — antes chamada de “rua dos bondes” —, seguia pelas ruas Júlio Cardoso e Saldanha Marinho, e ia em direção à Matriz. Depois, cruzava a rua Ouvidor Freire e chegava ao prédio do antigo grupo escolar Cel. Francisco Martins, onde hoje funciona o edifício dos Correios e Telégrafos. Em seguida, retornava à General Osório e seguia rumo à Estação Ferroviária.

Igreja Matriz mudou de local

A primeira Matriz foi construída no início do século XIX, no local onde hoje está a Fonte Luminosa. A obra durou mais de dez anos e foi concluída em 1820. Era uma construção simples, típica da época: casas e edificações feitas “a pau a prumo”, com ripas, travessões, barro nos vãos e paredes rebocadas com areia fina. Com o passar do tempo, o progresso começou a chegar à pequena comunidade, e a antiga igreja já não atendia mais às necessidades da cidade em crescimento. Foi então que o cônego Cândido Martins da Silveira Rosa - o Monsenhor Rosa, que dá nome à rua - passou a solicitar à direção da Igreja a construção de um novo templo. A autorização para erguer uma nova Matriz foi concedida em 24 de março de 1898 pelo Vigário Capitular da Diocese de São Paulo, cônego Exéquias Galvão da Fontoura. Nesse mesmo ano, foi colocada a Pedra Fundamental, símbolo de Jesus Cristo. A atual Matriz foi construída no local onde antes ficava a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. As obras começaram por volta de 1900 e, mesmo inacabada, a nova igreja recebeu sua primeira missa em 8 de dezembro de 1913. Sua inauguração marcou também o fim da antiga Matriz, que foi demolida em 1915 por decisão das autoridades religiosas da época.

A maria-fumaça que circulou em Franca ainda existe!

A maria-fumaça está longe dos períodos de glória. Hoje, está limitada a ocupar um espaço no galpão, com chão de pedra brita e estrutura metálica, da antiga estação ferroviária “Carlos Gomes”, localizada em uma extensa estrada de terra próxima à cidade de Mogi Mirim (SP). Dezenas de locomotivas, de diferentes épocas e regiões, estão paradas no galpão. Os operários têm a dura missão de restaurar os patrimônios históricos. Para os amantes de locomotivas, a maria-fumaça em questão é o modelo Bayer Peacock, série 400, do longínquo ano de 1896. Circulou na linha tronco da Cia. Mogyana até o ano de 1971. Com a “lataria” externa em boas condições, a carência é, principalmente, na parte mecânica do equipamento.

São Paulo x Minas Gerais 

Antes de municípios, estados e países terem suas fronteiras oficialmente definidas, a divisão dos territórios era marcada de forma simples e direta. No jardim do Museu Municipal, ainda existe uma dessas antigas pedras talhadas: de um lado está escrito “São Paulo” e, do outro, “Minas Gerais”. Esse tipo de marco servia para indicar onde terminava o território paulista e começava o mineiro. A pedra exibida na foto, em especial, delimitava a divisa entre Franca e Ibiraci (MG).

Já bebeu desta água?

"Esta é a Água da Careta. Tão bela como nunca vi. Quem beber desta fonte nunca mais sairá daqui". A frase foi gravada em um dos monumentos mais inusitados de Franca, erguido em 1957, durante o governo do prefeito Onofre Gosuen. Instalado na Rua Voluntários da Franca, sobre uma mina-d'água, o local alimentou por décadas a lenda de que quem bebesse daquela fonte jamais deixaria a cidade. A estrutura contava com uma cuba de onde a água brotava por uma serpente, acima da qual foi fixada a careta que deu nome ao monumento, além de uma placa de bronze com o verso vencedor de um concurso promovido pelo jornal Comércio da Franca, escrito por José Ferreira Linhares. O monumento original resistiu por quase três décadas, mas, feito de ferro fundido, acabou corroído pela falta de manutenção. Com o tempo, a mina foi interrompida e passou a desaguar no córrego dos Bagres.

Francanos nas trincheiras da revolução 

O monumento na Praça 9 de Julho é uma homenagem aos francanos que morreram na Revolução Constitucionalista de 1932, movimento que se opôs à continuidade do governo provisório de Getúlio Vargas. Segundo relatos da imprensa local, o regimento de cavalaria da região do Rio Pardo foi formado graças ao esforço de fazendeiros do Oeste paulista, como Benedito Aguiar de Azevedo, José Theodoro de Lima e Evaristo Paciência. Cerca de 700 voluntários de Franca e cidades vizinhas participaram do conflito, que resultou na morte de nove combatentes da região: Mario Masini, José Rufino, Adriano Cintra, Hermes de Moura Borges, Octacílio Dias Fernandes, José Ferreira, Jayme Barbosa, Arnaldo Vilhena e José Batista de Araújo.

Franca fora da rota presidencial

Historicamente, Franca parece estar fora da rota dos presidentes da República. A última visita oficial de um chefe de Estado à cidade foi a de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em seu primeiro governo, no longínquo dia 14 de maio de 2004. O petista participou da inauguração de um galpão da Ferracini, no Distrito Industrial, financiado com recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), e da inauguração oficial da 35ª edição da Expoagro (Exposição Agropecuária) de Franca, no Parque de Exposições “Fernando Costa”. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Antes da visita do petista, Franca estava havia 25 anos sem receber um presidente. O antecessor foi João Figueiredo, que abriu a edição de 1979 da Francal, tradicional feira calçadista que, na época, ainda era realizada na cidade.

Filé JK

Filé mignon à milanesa recheado com presunto e muçarela, servido com arroz feito com gemas, batatas fritas e salada. Se você é francano, provavelmente sabe do prato de que estou falando... Sim, trata-se do Filé JK, um patrimônio culinário de Franca. A lenda é que o prato é uma homenagem ao ex-presidente Juscelino Kubitschek. A receita teria sido feita pelo próprio chefe de Estado em Araxá (MG). Um cozinheiro de Franca teria servido o então presidente no município mineiro, conheceu o prato e o trouxe para o solo paulista. Não demorou e caiu no gosto e no paladar da cidade.