Consultor contratado da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para auxiliar na modelagem jurídica da concessão do sistema de esgoto do município à iniciativa privada, o advogado Júlio César Moreira Barboza representa judicialmente a empresa de saneamento Sanesalto, defendida também pelo escritório do qual é sócio, a sociedade Tauil e Chequer.
Na prática, o modelo de concessão que a prefeitura contratou passou pelas mãos de um profissional ligado a uma empresa potencialmente interessada no certame. Neste momento, nada impede a concessionária de participar da licitação para a concessão do esgoto em Bauru.
A participação do profissional a princípio não é ilegal, mas arranha a tese difundida pela prefeitura desde o início de que a contratação da Fipe para elaborar o modelo de concessão se deve ao fato de que é uma entidade isenta, com corpo próprio e livre de ligações ou interesses terceiros. O JC considera que a informação é de interesse público.
Júlio esteve apenas uma vez em Bauru, quando da primeira audiência sobre o escopo do processo de concessão. "Eu sou o Júlio, consultor jurídico contratado pela Fipe para o projeto da concessão do sistema de esgotamento sanitário de Bauru", anunciou o advogado ao início daquele encontro, em junho de 2023.
Ele já advogava para a Sanesalto naquela época. O JC encontrou ações nas quais ele atua em favor da concessionária entre 2021 e 2024. A informação, porém, não foi revelada ao público.
O site do Tauil e Chequer na internet possibilita verificar individualmente quem são os advogados do escritório e as áreas nas quais atua. Mais do que isso, há também casos relevantes nos quais cada profissional do direito atuou.
A página de Júlio não menciona a Fipe. Constam ações do advogado junto à Companhia Paranaense de Energia (Copel), no plano de desinvestimento de Furnas, ações de consórcios com BNDES e outros - nenhum dos tópicos cita a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.
O JC encaminhou perguntas tanto à Fipe como à Prefeitura de Bauru e ao próprio Júlio. As indagações foram encaminhadas na última sexta-feira (13).
À Fipe, a reportagem questionou se contratou enquanto membro da sociedade Tauil e Chequer, da qual faz parte, ou de maneira autônoma; se considera essa relação entre o profissional e a Sanesalto um possível conflito de interesses e se avisou a administração municipal sobre a ligação.
A entidade afirmou que o contrato com Júlio Barboza não envolve o Tauil Chequer e que o profissional foi contratado de forma autônoma. "É fato inquestionável que este advogado citado, assim como tantos outros profissionais liberais, são desimpedidos para atenderem inúmeros clientes, os quais não dizem respeito à Fipe ou a nenhuma outra entidade, apenas ao profissional em si, até por uma questão ética e de confidencialidade", afirmou.
"Ora, veja que se de fato houver algum relacionamento contratual entre o escritório de advocacia ou seus advogados a esta concessionária para serviços advocatícios, esta relação em nada se coaduna com o trabalho da Fipe desenvolvido junto à Prefeitura de Bauru. Não há nenhum ponto em comum entre as duas relações", acrescentou.
Segundo a fundação, a contratação de terceiros se deve ao fato de que a Fipe não mantém "em seu quadro permanente todos os profissionais, para qualquer contrato que venha a surgir" considerando "a diversidade de temas e estudos realizados".
A Fipe disse ainda não considerar que a relação seja um potencial conflito de interesses. "Ainda que se possa confirmar o fato sobre o advogado Júlio César de fato prestar serviços à Conasa Sanesalto, é inconteste que os municípios envolvidos não são sequer vizinhos, contíguos ou limítrofes, inexistindo qualquer irregularidade no assunto".
A instituição revelou também não ter informado a prefeitura sobre a medida, "considerando a inexistência de qualquer conflito de interesses".
À prefeitura, indagou se o governo foi avisado sobre a ligação entre o advogado e a companhia; se considera essa ligação um possível conflito de interesses e como a prefeitura se preveniu no contrato com a Fipe para evitar problemas assim.
Em resposta, a administração afirmou que "a relação da Prefeitura de Bauru é com a Fipe, e a responsabilidade de formação da equipe que conduz os estudos é de responsabilidade exclusiva da Fundação, nos termos do contrato firmado (sic)".
Sobre se considera ou não um possível conflito de interesses, o governo disse que "a contratação da Fipe, seguindo todos os trâmites legais, foi realizada para dar o devido embasamento técnico ao projeto, uma vez que a Fundação possui longa trajetória na condução dos mais diversos projetos e pesquisas que produz".
Com relação a eventuais métodos de prevenção, respondeu que "os contratos entre a Fipe e os seus técnicos possuem cláusulas de confidencialidade e de não impedimento de realização dos estudos aos quais estão atrelados, de forma que a prefeitura tenha o respaldo que os pesquisadores e colaboradores estão em condições plenas para o desenvolvimento de um trabalho íntegro e imparcial (sic)".
Já a Júlio o JC perguntou como se deu sua contratação pela Fipe; se ele é prestador usual de serviços para a entidade; se considera que a ligação com a Sanesalto seja um possível conflito de interesses e por quê; e se a Fipe tinha conhecimento sobre sua atuação profissional junto à concessionária. Não houve resposta até a conclusão desta edição.
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