NOSSAS LETRAS

Banquetes

A palavra “banquete” mantém há milênios seu sentido de celebração com comidas e bebidas encomendadas por um anfitrião. Leia o artigo de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 18/03/2023 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para o GCN

A palavra “banquete” mantém há milênios seu sentido de celebração com comidas e bebidas encomendadas por um anfitrião a fim de serem oferecidas a convidados. Além da presença óbvia em livros de culinária desde Apicius, é encontrada em textos religiosos, filosóficos, literários  e artísticos.

No Novo Testamento várias passagens registram esse tipo de encontro, também referido como “ceia”. À maneira dos romanos, os judeus organizavam tais celebrações para o final do dia. Quando todos chegavam, o dono da casa fechava ele mesmo a porta, em sinal de privacidade. Os convidados eram então refrescados com água e óleo perfumado, recebiam um manto para usar, sentavam-se em ordem que privilegiava a idade ou a posição social. Cristo, que ensinava por parábolas, usou muitas vezes o contexto do banquete para entregar sua mensagem. Numa das mais pungentes, faz alusão aos que não atendem ao chamado nem atentam para a essência dos alimentos oferecidos, aqueles outros, que saciam fome e sede além do necessitado pelo corpo.

Os gregos também eram notórios anfitriões e seus banquetes podiam durar dias. Talheres, invenção moderna, inexistiam. Para levar os alimentos à boca, usavam-se as mãos. Os pratos eram compartilhados entre convivas que se reclinavam à mesa. Pães faziam as vezes de guardanapo e migalhas caídas serviam de comida aos cães. Cenas com tais motivos inspiraram pintores e escultores renomados ao longo dos séculos. Mas foi a ideia de alimentar também a razão que levou Platão a compor entre 385-380 AC seu livro célebre, “O Banquete”. Nele, encontramos na casa de Ágaton, celebrando a vitória em um concurso de tragédias, Fedro, Pausânias, Erixímaco, Aristófanes, Alcibíades, Aristodemo e, o mais importante, Sócrates. Depois de comerem e beberem, todos se lançam a uma discussão sobre a essência do amor e da amizade. Como não esteve presente, Platão soube apenas por Apolodoro do que se passou e através do reconhecido estilo dialético prestou homenagem a Sócrates, seu mentor.

Banquetes foram reiteradas vezes acontecimentos que motivaram escritores ocidentais e orientais.  Autora contemporânea, Karen Blixen assinou um conto famoso, “A festa de Babette”, onde um banquete desperta fortes emoções entre os personagens. O cinema levou para a telona esta história e o filme ganhou muitos prêmios, além de ter sido visto por milhões de pessoas. Narra a história de duas mulheres puritanas, órfãs de um pai protestante, que vivem na costa da Noruega. Um dia recebem a visita de Babette, francesa foragida, que lhes pede abrigo em troca de serviços domésticos. É aceita especialmente porque traz consigo carta de recomendação de Papin, velho amigo delas. Anos se passam até que Babette ganha uma pequena fortuna na loteria. Resolve então preparar banquete extraordinário para suas patroas e moradores do vilarejo. Grandes mudanças advirão dessa iniciativa.

Jantar, ceia, banquete não são apenas mesa posta com comidas sofisticadas, pratos autorais, zelo na apresentação. Acontece não raro de assumirem funções bem mais amplas que a nutrição para o corpo. Ao ensejar o encontro de convidados que aceitam compartilhar o que de melhor o anfitrião se dispõe a oferecer, poderão despertar apetites diversos através de aromas, cores, formas, texturas, memórias, sons. Pratos e palavras fazem parte de um cardápio onde o ponto de confluência está na degustação. Por isso  aplaudi o nome com que os acadêmicos Baltazar Gonçalves e Vanessa Maranha batizaram a série de encontros que já começaram a acontecer na Academia Francana de Letras: “AFL & Banquete Literário.” 

A abertura aconteceu na última sexta-feira com a apresentação/leitura/ provocação de Baltazar Gonçalves através do poema “O Corvo,” do escritor norte-americano Allan Poe. No dia 8 de abril, Vanessa Maranha vai nos oferecer oportunidade de reflexão sobre ódio e inveja  a partir de dois contos de Clarice Lispector- “O Búfalo” e “Felicidade Clandestina”. Em maio o presidente José Lourenço levará para considerações o romance “Casa sobre areia”, do francano Antônio Constantino. Em junho, estarei comentando duas obras nordestinas: “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Mello Netto, e “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna. No segundo semestre outros acadêmicos serão os anfitriões.

Esperamos pelos apreciadores de literatura na Casa do Escritor Francano. Que os convidados, que são todos os interessados, aceitem nosso convite e estejam conosco na Academia, a fim de que possamos conversar sobre autores cujas inventividade narrativa, riqueza emocional  e  domínio da linguagem nos abrem caminhos para maior  entendimento do sempre surpreendente humano.   

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