POLÍTICA

Flávio Paradella: A confissão de Zé Carlos

Por Flávio Paradella | Especial para a Sampi Campinas
| Tempo de leitura: 6 min
Divulgação/CMC
Zé Carlos confessa pedido de propina e escancara dilema ético do Legislativo; reportagem do Portal G1 Campinas traz que parlamentar admitiu corrupção.
Zé Carlos confessa pedido de propina e escancara dilema ético do Legislativo; reportagem do Portal G1 Campinas traz que parlamentar admitiu corrupção.

A confissão do vereador Zé Carlos (PSB), ex-presidente da Câmara de Campinas, de que pediu propina para renovação de contratos na Casa, não é apenas o desfecho de um processo sigiloso no Ministério Público. É, na prática, um terremoto ético e político que coloca a credibilidade do Legislativo local contra a parede — mais uma vez.

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Depois de meses de investigação e da atuação discreta da promotoria, veio a bomba com a reportagem desta quarta-feira do Portal G1 Campinas: Zé Carlos admitiu o crime de corrupção passiva, aceitou pagar uma multa de R$ 151 mil e escapou de sanções penais com um acordo de não persecução. Pode parecer o fim. Mas é só o começo — pelo menos do ponto de vista institucional, onde o verdadeiro julgamento agora precisa ser feito.

A pergunta é simples, direta e incômoda: os outros 32 vereadores vão se calar diante da admissão de um colega que, investido no cargo e na presidência da Câmara, usou a função para tentar obter vantagem indevida? Porque o pedido foi feito. E foi esse pedido — mesmo não concretizado — que deflagrou a denúncia, as gravações, as buscas, os depoimentos e, agora, a confissão formalizada.

Mais do que um deslize, Zé Carlos assumiu um comportamento que macula o mandato e o segundo cargo mais poderoso do município. Quando presidia a Câmara, não era só mais um parlamentar — era a figura máxima do Legislativo campineiro. E se a própria Câmara, ciente dos “fatos graves” apontados por CPI anterior, já havia rejeitado uma Comissão Processante, agora a omissão será insustentável.

Há um valor simbólico incontornável nessa encruzilhada: a política local está sendo testada quanto à sua capacidade de se autorregular. Se não reagir, a mensagem será cristalina: vale tudo. Vale até confessar que pediu propina — e seguir com o crachá de vereador, discursando sobre ética e batendo carimbo em moções de louvor.

O desgaste da imagem do Legislativo campineiro não é recente. A Casa vem acumulando episódios negativos — suspeitas de rachadinha, superfaturamento em emendas, CPI engavetadas, honrarias em série e pouca produção legislativa de fato relevante. Mas o caso de Zé Carlos é diferente. Não há mais dúvida, nem margem para ilação: ele confessou.

E é aí que o silêncio se torna cúmplice. Porque agora a ausência de resposta institucional não será mais vista como omissão — será avaliada como anuência. A Câmara tem diante de si uma oportunidade de tentar resgatar algum nível de decência política ou assumir, de vez, o papel de cartório desmoralizado. Cabe aos parlamentares decidirem que lado da história desejam ocupar.

A sociedade campineira — já tão descrente da política — assiste, mais uma vez, à repetição do roteiro que alimenta o cinismo coletivo. E talvez, como poucas vezes antes, espera que a indignação não seja apenas da opinião pública, mas também de quem ocupa uma cadeira no plenário.

Porque se nem uma confissão explícita for capaz de produzir reação, a política local terá assinado, enfim, seu atestado de falência moral.

Os detalhes

O vereador Zé Carlos (PSB) confessou ao Ministério Público de São Paulo (MPSP) que pediu propina para renovar ou manter contratos com empresas terceirizadas da Câmara Municipal de Campinas. A admissão foi feita em um acordo de não persecução penal, assinado no dia 10 de junho, que também extinguiu a punibilidade do ex-secretário de Relações Institucionais da Casa, Rafael Creato, que igualmente confessou o crime de corrupção passiva.

O acordo, de acordo o Portal G1 Campinas, estabelece que Zé Carlos pagará R$ 151,8 mil em 15 parcelas, o equivalente a 100 salários mínimos. Já Creato terá de desembolsar R$ 45.450, em 12 parcelas, referentes a 30 salários mínimos. Ambos escapam de ação penal e não serão processados, desde que cumpram as condições pactuadas com o MPSP.

Ao G1, O advogado Ralph Tórtima Stettinger Filho, que representa Zé Carlos, disse que não vai se manifestar por conta do sigilo judicial do processo. Ressaltou, porém, que o parlamentar "não foi e não será processado em razão desses fatos". A defesa de Creato, feita por Haroldo Cardella, também se pronunciou apenas para afirmar que o acordo foi firmado dentro dos critérios legais e é sigiloso.

As denúncias foram feitas pelo empresário Celso Palma, dono de uma empresa de telecomunicações responsável por operar a TV Câmara. Palma relatou que os dois investigados pediram vantagens indevidas para manter o contrato de prestação de serviços. Em reuniões gravadas, entregues ao MP, Zé Carlos chegou a pedir que Palma deixasse o relógio e o celular no banheiro, demonstrando receio de estar sendo gravado.

A investigação resultou em mandados de busca e apreensão cumpridos em 2023 na Câmara e na residência do vereador. No depoimento dado ao MP em agosto do mesmo ano, Zé Carlos negou as acusações, mas mudou a versão neste ano para fechar o acordo com o Gaeco e encerrar o processo.

O Burnout do Transporte Coletivo

A combustão de três ônibus do transporte coletivo em menos de uma semana poderia ser tratada como uma anomalia se o colapso não fosse, na verdade, a norma. Os episódios ocorridos em Campinas entre os dias 17 e 24 de junho, que resultaram na destruição total de veículos, são apenas a manifestação visível — e literal — de um sistema em chamas e em fase terminal, no qual o desgaste da frota espelha a exaustão de um modelo que simplesmente não é mais capaz de atender a cidade.

O incêndio mais recente, na Rua Major Solon, Cambuí, foi o mais simbólico: em pleno centro expandido, durante o dia, com risco a outros carros e pedestres, o coletivo virou cinzas sob o olhar de moradores atônitos. Não é preciso ser técnico para notar que os ônibus de Campinas estão se esfacelando. Em posicionamento enviado ao Portal Sampi Campinas em abril, a própria Emdec reconhece que 38 veículos quebram diariamente, um número escandaloso.

A resposta da Prefeitura — uma operação emergencial de inspeção — soa mais como uma reação de imagem do que um plano efetivo. E não é por acaso. O transporte público da cidade está sob um contrato considerado irregular, com a licitação emperrada desde há uma década. O prefeito Dário Saadi até lançou consulta pública para estruturar novo edital, mas o processo é tão lento quanto os coletivos que trafegam nas ruas.

E quando algum movimento acontece, é pífio. No início do ano, Dário exigiu a renovação de pelo menos parte frota e requisitou novos veículos das empresas. Foram apenas 50 ônibus prometidos. E chegaram, ironicamente, com atraso. Como se a administração estivesse no mesmo ritmo do transporte: moroso, improvisado, ineficiente.

A impressão é de um sistema que vive um burnout coletivo, uma falência múltipla que compromete motoristas, passageiros e, sobretudo, a segurança pública. Enquanto isso, o custo da tarifa é altíssimo, a espera nos pontos se arrasta, e o que se oferece à população é um produto ultrapassado, perigoso e incompatível com uma metrópole que se diz inovadora.

Campinas vive um dilema: ou rompe com a inércia histórica da política de transporte, ou continuará contabilizando ocorrências previsíveis— seja em incêndios no asfalto ou em quebras silenciosas nos bastidores da mobilidade.

  • Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.

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