CIÊNCIA

Unicamp participa de estudo para criação de carne em laboratório

O estudo inédito que avaliou aspectos relativos à segurança da carne cultivada em laboratório está próximo de ser lançado.

Por Thiago Rovêdo | 29/10/2023 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para Sampi Campinas

Antoninho Perri/Unicamp

Bárbara Flaibam, doutoranda da FEA que pesquisa o tema
Bárbara Flaibam, doutoranda da FEA que pesquisa o tema

Pesquisadores da FEA (Faculdade de Engenharia de Alimentos) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) participaram de um estudo inédito que avaliou aspectos relativos à segurança da carne cultivada em laboratório. O documento será divulgado em breve pelo GFI Brasil (The Good Food Institute Brasil) junto com outros materiais voltados ao público geral.

A pesquisa, coordenada por Anderson Sant’Ana, docente e atual diretor da FEA, e pelo GFI Brasil, organização sem fins lucrativos que apoia estudos sobre proteínas alternativas, contou com uma equipe multidisciplinar da qual participaram Maristela Nascimento, professora da FEA, e Kamila Habowski, doutoranda em Ciência de Alimentos pela faculdade, além de pesquisadores de outras instituições.

De acordo com os pesquisadores da Unicamp, a ideia de criar proteínas animais de forma sintética, sem a necessidade de abate, consta das previsões científicas para o futuro há bastante tempo. Em 2013, Mark Post, farmacologista da Universidade de Maastricht, nos Países Baixos, apresentou o primeiro hambúrguer feito a partir de carne cultivada. Na época, estimou-se que a produção de uma unidade valeria US$ 330 mil. Desde então, a carne cultivada entrou no radar de empresas do setor focadas em abocanhar esse nicho.

Por se tratar de uma novidade mesmo para pesquisadores da área, o estudo realizado pela Unicamp e pelo GFI Brasil tem a finalidade de avaliar os riscos potenciais de cada etapa do processo, desde a coleta de células do animal doador até o processamento final do produto. O trabalho também projeta como seria o processo completo de fabricação de um hambúrguer de carne cultivada.

“A ideia é que o documento seja um guia sobre como produzir carne cultivada com segurança, estabelecendo boas práticas para a fabricação e que possa ser usado como base por agências regulatórias”, explicou Sant’Ana.

No Brasil, cinco empresas já desenvolvem tecnologias similares: as gigantes JBS e BRF, que trabalham em parceria com empresas e pesquisadores da Espanha e de Israel, respectivamente, além de três empresas menores, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.

"Por ser um produto novo, vamos estudá-lo com base em nosso conhecimento prévio, verificando quais aspectos de segurança podem ser considerados para já lançarmos bases para as demandas regulatórias em sua implementação", destacou o docente.

Como é?
A técnica de produção da carne cultivada é uma das alternativas existentes na ciência para a obtenção de proteínas alternativas às convencionais (resultantes do abate de animais), ao lado dos processos de fermentação e das proteínas vegetais conhecidas como análogas, desenvolvidas a partir de plantas, com características de cor, sabor, textura e aparência similares às dos produtos de origem animal.

“Com a carne cultivada, é possível oferecer um produto capaz de mimetizar a estrutura e as características sensoriais da convencional”, explica Rosana Goldbeck, professora da FEA que trabalha com o desenvolvimento de novos insumos para o cultivo de células animais.

O processo é complexo e exige equipamentos de alta tecnologia e cuidados rigorosos para evitar contaminações. A “receita” da carne cultivada conta com quatro etapas principais: a coleta das células animais a serem cultivadas; o isolamento e seu cultivo em biorreatores, etapa crucial que concentra os maiores desafios; a diferenciação celular e a estruturação dos tecidos; e a configuração final do produto na forma em que chegará ao consumidor – um hambúrguer, uma salsicha, um filé.

“Segundo dados da literatura, em média, de 55% a 95% do custo do processo de carne cultivada refere-se ao meio de cultivo e 95% desse total refere-se ao soro fetal bovino”, explicou. Apesar de ser um meio de cultura eficaz, seu uso para a produção em larga escala mostra-se inviável tanto por ser dispendiosa como pela incoerência em utilizar um insumo de origem animal em um produto criado como alternativa ao abate.

Há ainda desafios de ordem sanitária, ponto avaliado pelo estudo de segurança do GFI Brasil que contou com a participação da Unicamp. “Identificamos vários componentes dos meios de cultura que não são aprovados para consumo humano. Essa é uma primeira ponta, o desenvolvimento de reagentes que sejam seguros para o consumo humano, ou comprovar que esses componentes usados no início do processo não chegam ao produto final”, apontou Maristela Nascimento.

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