
Precisamos que você volte um pouco à sua época de escola, quando tínhamos aulas de artes ou química. O motivo é muito simples: azul. Sim, a cor azul. Uma das cores primárias, é o que colore o céu (quando o tempo está aberto, claro), a água... Mas é difícil encontrar a cor em organismos vivos. Até existem alguns pássaros que tem a coloração, mas repare: são poucos. Na verdade, eles não são azuis: as penas filtram a luz branca e refletem a azul.
Mas, por que tudo isso logo no começo do texto? Há uma explicação. Se é difícil encontrar a cor azul na natureza, fabricá-la é ainda mais complicado. O pigmento azul, e aqui estamos falando daquele usado na culinária, não se extrai de forma natural. Existem até alguns minerais da cor, mas eles contêm substâncias tóxicas.
A indústria, então, partiu para os sintéticos, mas que também podem ter componentes nocivos para a saúde. Só que esse cenário todo pode mudar, e é aqui que nós queremos chegar.
Duas pesquisadoras da Unicamp uniram as teses de doutorado em busca de um objetivo: a produção de um corante azul que não tenha substâncias tóxicas e que fossem veganas, sem a necessidade de usar animais.
Maria Isabel Neves e Monique Strieder se surpreenderam quando encontraram algo que atingisse todos esses quesitos: o jenipapo. Fruto originário do Brasil, que lembra um figo, significa em tupi-guarani "fruta que serve para pintar". E o nome não poderia mais bem a calhar.
As pesquisadoras contam que, durante o processo, feito no Laboratório de Tecnologia Supercrítica: Extração, Fracionamento e Identificação de Extratos Vegetais (Lasefi), da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, conseguiram chegar ao resultado usando o leite – animal e vegetal.
"O leite foi o nosso 'solvente', e serve como fonte de aminoácidos e proteínas para formar o corante. O processo torna-se economicamente mais vantajoso e a aplicação é fácil, uma vez que o líquido pode ser colocado diretamente no produto. Fizemos aplicações em alimentos, como doces e bolos, e o resultado é muito bom", conta Monique.
"Geralmente é utilizado o etanol ou a água para a extração da genipina [substância encontrada no jenipapo], e nós usamos o leite, que tem as proteínas necessárias para reagir com o composto do jenipapo. Aperfeiçoamos esse processo no sentido de usar o próprio solvente para a reação que sintetiza os compostos de coloração azul", explica Maria Isabel.
Na prática, o processo leva apenas 20 minutos, e é barato, se comparado ao de produção industrial.
'Sonho' antigo
Uma das orientadoras do projeto, Maria Angela Meireles (à esquerda na foto), estudava desde o ano 2000 alguma forma de criar um corante azul que não fosse sintético. Ela chegou a usar ficocianina, uma espécie de alga, que tinha um problema: alterava o gosto e só funcionava com alguns alimentos.
"Com o jenipapo, podemos desde um azul muito tênue até um azul forte, e o sabor do corante é muito sutil", afirma.
O pedido de patente internacional do corante azul do jenipapo líquido foi publicada em dezembro de 2020 pela Agência de Inovação Inova Unicamp. Agora, os testes continuam para verificar se é possível fazê-lo em pó, por meio de um processo que é utilizado na indústria, mas que não tem nenhum composto químico tóxico envolvido.
"O nosso desejo é que a tecnologia chegue ao mercado, porque entendemos que ela é importante e pode contribuir para a saúde da população, principalmente das crianças, que estão sendo muito expostas aos corantes sintéticos", finaliza Eric Keven Silva, outro orientador.