Pamonha Expressa

A pamonha deveria representar o espírito culinário do Brasil, pois não há lugar nesse país em que ela não apareça. Na nossa região, encostada em Minas, costumam colocar na massa fatias de queijo meia cura, o que a torna uma perdição.

Por Sonia Machiavelli | 25/04/2021 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

Ingredientes
6 espigas de milho grandes e bem granadas
1 xícara (chá) de açúcar
1 pitada de sal
200 ml de leite
100 ml de leite de coco (opcional)
1 colher (sopa) de margarina
Folhas de espiga para forrar a cuscuzeira

Coisa difícil de explicar a um estrangeiro é o jeito de preparar a embalagem da pamonha com as folhas do milho verde. É um desafio. Como dizer que as palhas devem ser amolecidas em água quente, para então serem enroladas e dobradas embaixo, em forma de tubo? E que ali é depositada com a direita uma concha de massa que levou horas para ficar no ponto, pelo menos uma saca de milho ralado e temperado? Massa colocada no tubo verde, deve ser coberta por outro que tem de ficar bem ajustado; e por fim é amarrar com tiras feitas também com a palha... Só neste instante os pacotinhos vão para as grandes panelas onde a água ferve. Dali sairá o banquete individual que cada uma representa.

Deveriam comer pamonha de joelhos, antigamente, tamanho era o trabalho, exigindo mutirão de dia inteiro. Uma peleja. Hoje não é mais assim, louvado seja. O processo foi modernizado e surgiram as pamonharias. A gente paga com prazer porque é uma delícia redobrada degustar pamonhas sem nenhum cansaço, sem traço de milho espirrado nas panelas e no chão, sem o calorão do fogo e do vapor na cozinha. Temos pamonhas à disposição do freguês o ano inteiro, e não só em época de safra, como acontecia no século passado. Faz tempo que há milho o ano inteiro, as técnicas de cultivo avançaram.

A pamonha deveria representar o espírito culinário do Brasil, pois não há lugar nesse país em que ela não apareça. Na nossa região, encostada em Minas, costumam colocar na massa fatias de queijo meia cura, o que a torna uma perdição. No Nordeste usam leite de coco ( e onde é que não acrescentam leite de coco na culinária daquela região?). Mas é no Centro-Oeste que a dita cuja ganha status de pluralidade, aparecendo de tantas formas que se leva no mínimo um mês para experimentar todas. Pelo menos foi o que pensei nas duas vezes em que tive o privilégio de visitar Goiás. Primeiro foi minha nora Milena a me apresentar uma, em Anápolis, sua terra natal. Me surpreendi com os sabores, anunciados em quadro na parede. Pelo movimento, percebi que tinham mais saída as chamadas “de sal”, com recheios que variavam de linguiça a pequi! Juro por Deus: existe pamonha de pequi- fruto incensado por uns, odiado por outros. Por muito tempo pensei que fosse somente por ali aquela criatividade toda. Que engano! Anos depois, fui visitar minha sobrinha Tatiana em Jataí, no mesmo Estado, e ela me levou a outra pamonharia. Surpresa, vi que os recheios ainda eram mais numerosos que os vistos em Anápolis.

Gostei das pamonhas “de sal” de Goiás. Mas ainda prefiro as “de doce”. Quando não estou fazendo dieta, me dou o prazer de comer uma, com toda a pachorra, lembrando-me dos índios, que faziam um tipo de mingau grosso com o milho verde. Levado ao fogo, ficava “pegajoso”, que é o significado de pa’munã, de acordo com o linguista Amadeu Amaral no seu livro “O dialeto caipira”. Aliás, caipira, pra quem não sabe, também é nome tupi para definir os que moram no meio do mato.

Toda essa introdução é para dizer que navegando pela Internet descobri dia desses uma receita de pamonha para ser feita na cuscuzeira. É criação de brasileira que mora no Japão e, com vontade de comer pamonha, improvisou. Como sou pessoa por demais curiosa, me senti desafiada a fazer. E não é que deu certo? Acredito que se tivesse encontrado espigas mais granadas, teria ficado melhor ainda.

Se você gosta de aventuras gastronômicas,encare essa. Basta ralar as espigas (ou bater os grãos no liquidificador), temperar com sal e açúcar, juntar margarina, leite integral, leite de coco(opcional), misturar e levar para cozinhar na cuscuzeira por meia hora. O maior trabalho é forrar a dita cuja com as palhas do milho. Elas dever ser passadas pela água quente para ficarem flexíveis. Com elas forram-se muito bem o fundo e as laterais, porque a massa não pode vazar. Leva-se ao fogo baixo por meia hora, sem tampar- isso é importante, porque se o vapor se misturar à massa, adeus pamonha! Espere esfriar, antes de servir.

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