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Sopa de parida

Três conhecidos antropólogos brasileiros comentaram a tradição da “sopa de parida” na dieta do “resguardo” das mulheres interior do Brasil

07/07/2019 | Tempo de leitura: 4 min

ingredientes

 1 galinha ou frango caipira 
 300 gramas de farinha de milho torrada
 1 cebola pequena
 4 dentes de alho
 ½ xícara de óleo de soja
 Sal a gosto
 Pimenta-do-reino a gosto
 1 maço de coentro (ou salsinha)
 
 
No livro “Os Parceiros do Rio Bonito”, lançado em 1964, o sociólogo, crítico literário e professor Antônio Cândido (1918-1917) dedica um capítulo à dieta caipira, que havia pesquisado entre os anos 1947 e 1954, viajando por cidades do interior paulista. O autor abordou o tema a partir de observações que o levaram a compreender algumas das regras culturais que cercavam a mesa dessa região. Entre elas, incluiu as relacionadas à alimentação das mulheres no pós-parto, período chamado ainda em muitas regiões brasileiras de “resguardo”. Antônio Cândido elencou os alimentos proibidos, os permitidos e os recomendados. Entre esses últimos, a “sopa de parida”, que variava de acordo com as tradições da família da mãe e da região geográfica à qual a comunidade pertencia.
 
Outra obra, “Culinária Tradicional do Vale do Paraíba”, de Paulo Camiller Florençano e Maria Morgado de Abreu, publicado em 1987, resgata o mesmo prato. E acrescenta um detalhe curioso: em suas pesquisas os autores haviam descoberto que entre a população local o caldo só podia ser feito com franga ou galinha abatida antes de ter posto seus primeiros ovos. Eles também comentam que ao longo da gravidez, a família já ia separando as aves que seriam utilizadas no preparo da sopa- uma para cada dia do resguardo. Tendo nascido o filho, as mães recebiam como presente dos vizinhos galinhas vivas- e não roupinhas ou flores. Há neste livro o depoimento de uma mulher que à época da publicação contava 45 anos e já tinha sete filhos. Ela lista os alimentos proibidos (arroz, feijão, pão, bolo, leite, miúdos de ave, verduras, batata, mandioca, frutas cítricas) e as razões de bani-los do cardápio da parturiente. A couve descorava a pessoa ou dava dor de estômago; tubérculos provocavam rachaduras no bico do seio; arroz ( apenas pilado, portanto integral) daria grosseira ou alergia (haveria aí uma metáfora?), massas tinham fermento que poderia estragar o leite materno; feijão, só depois de uma semana do parto e de um só tipo durante os tais dias, que ninguém sabe dizer porque quarenta.
 
A sopa de parida aparece também na pesquisa do antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, que dirigiu seu olhar para Mossâmedes, comunidade rural próxima a Goiás Velho, terra de Cora Coralina. Elas são comentadas no ótimo “Plantar, Colher e Comer”, que veio a público em 1981. A sopa de parida não seria preparada pelas goianas com farinha de milho e sim com pedacinhos de biscoitos salgados de farinha de trigo, vendidos em mercearias e bastante comuns na região. Esses biscoitos, colocados no fundo do prato, eram cobertos pelo caldo fervente oferecido à parturiente. Curiosamente, ao contrário do que ocorria no Vale, em Goiás o arroz seria “bom” para o resguardo, talvez porque no caso o cereal já seria então polido. Mas a couve continuaria “ruim”. Pequi, nem pensar. Cebola também não. Limão, ovo, repolho- proibidíssimos. Uns porque seriam “quentes”; outros porque seriam “frios”. Na explicação geral das pessoas da região, alimentos “reimosos” contaminavam o sangue. O autor explica que o conceito de “reimoso” (aliás, ainda persistente entre moradores mais antigos de Franca e região, sobretudo na área rural) está ligado à antiga medicina galênica, adotada em toda a Europa por séculos e trazida aos Brasil pelos portugueses. Galeno dividia os alimentos entre bons e maus de acordo com a situação do doente.
 
A “sopa de parida” ainda permanece presente no interior mais profundo do país ou nas famílias mais conservadoras no contexto dos cuidados com a saúde da mulher que acaba de dar à luz. Mas é certo que grande parte das brasileiras já deixaram este item de lado para seguir a dieta prescrita pelos médicos e nutricionistas, em detrimento das tradições de avós e bisavós. Mas como ela é muito saborosa, trago-a aqui como sugestão para uma noite fria. E para todos, claro, não obrigatoriamente mulheres paridas.
 
O frango ou galinha ( imperativo que sejam do tipo caipira) devem ser partidos em pedaços. Feito isso, tempere-os com sal e pimenta-do-reino, deixe tomar gosto por meia hora. Depois refogue os pedaços no óleo quente onde tenha fritado o alho e a cebola. Cubra com água e deixe cozinhar até amaciar bastante. Se estiver com pressa, use a panela de pressão. A carne deve soltar dos ossos. Quando isso acontecer, desligue a chama e deixe o conteúdo amornar. Retire os pedaços para uma vasilha e coe o caldo. Volte o caldo para a panela e reserve. Retire a pele, os ossos e nervuras dos pedaços da ave e desfie a carne. Reserve.
 
Volte o caldo ao fogo e assim que começar a ferver, vá juntando em chuvisco a farinha de milho, mexendo sem parar. Quando engrossar, desligue. Junte metade da carne desfiada e mexa. Salpique metade do ramo de coentro (ou salsinha) cortado miudinho e reserve a outra metade. Distribua nos pratos individuais, guarneça com um pouco da carne desfiada e as folhinhas de coentro (ou salsinha). Depois me diga se não é uma delícia.
 
passo a passo
 
Refogue o frango com seus temperos e cozinhe até ficar bem macio
 
Separe a carne dos ossos e desfie-a grosseiramente
 
Coe o caldo, volte-o ao fogo; assim que levantar fervura vá incorporando a farinha de milho
 
Quando estiver espesso, junte a carne desfiada e o coentro (ou salsa) picado
 
Sirva bem quente , lembrando-se dos tempos de antigamente 

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