Frigideira de bacalhau

Este prato baiano é uma bacalhoada desconstruída, como diriam chefs contemporâneos: tem bacalhau, batata, ovos, pimentão, tomates, azeite, alho, cebola- tudo preparado e servido na mesma vasilha

24/02/2019 | Tempo de leitura: 5 min

Abará, mocotó, acaçá, acarajé, bobó, caruru, passarinha, beiju, farofa, fritada, cabidela, maniçoba, petitinga, quiabada, mugunzá, sarrabulho, mariscada, caranguejo, sururu, zembê, moquecas de tudo-quanto-há: peixe, camarão, aratu, maturi, mapé, siri mole, banana-da-terra. Estes são alguns dos pratos listados em qualquer livro de culinária baiana, e os mais conhecidos na região do Recôncavo baiano. A origem deles é claramente africana e as receitas são curiosamente preparadas de duas maneiras levemente diferentes e em dois lugares bem distintos. Uma, mais simples, sem excesso de condimentos, nos terreiros de candomblé, para os pratos serem oferecidos aos orixás; outra, mais elaborada , com bastante tempero – coentro, gengibre, dendê, pimenta, leite de coco - para consumo nas casas e restaurantes. Tem lugar cativo no tabuleiro das baianas que rodam pelos pontos turísticos. Ao saborear essas iguarias os turistas pensam que estão passando pela experiência gustativa de toda a população do Estado. Não é verdade; elas não representam nem 30% do que o povo come regularmente no seu cotidiano, dizem as pesquisas.

O predomínio, no imaginário popular brasileiro, dessa cozinha inteiramente afro, deve-se ao fato de Salvador, a capital da Bahia, situar-se no litoral, o que ensejou maior poder de divulgação no setor de turismo e nos meios de comunicação. No dia-a-dia a maioria dos baianos se alimenta de pratos herdados da cozinha portuguesa, e que aparecem nos tratados de gastronomia sob o nome de “culinária sertaneja.” No interior o cardápio é bem outro, sem prevalência do dendê e outros ingredientes africanos. A ênfase recai sobre a carne seca, o cabrito, a paçoca de carne seca, o aipim- que é como chamam à mandioca, o jerimum- o outro nome da abóbora. Menos ensopados e guisados, mais pratos secos combinados com a aridez das jornadas. A geografia condiciona o menu.

Afrânio Peixoto, historiador e sociólogo, em seu livro “Breviário da Bahia”, descreve a dieta dos baianos como “ um feliz consórcio do melhor de Portugal – a sobremesa e a preferência pelos pescados; e da Costa da África – o óleo de dendê, e muita pimenta benzendo tudo. (…) Pouca coisa do índio, que não tinha quase cozinha.” Há um pouco de preconceito nessa última afirmação. Os índios plantavam mandioca e milho, com que fabricavam pirão, beijus, bebidas fermentadas, o que constituiu um legado. Quanto aos portugueses, sim, chegaram trazendo bacalhau, sardinhas, cozidos de carne de boi e legumes.

Mas muito mais que o dendê, a contribuição africana estendeu-se de forma criativa ao adaptar com pitadas de sutileza as comidas dos orixás, que preparavam em sua terra, ao gosto das sinhás e sinhôs de sangue português. Desde o século 16, quando chegavam às centenas, vindas de diversas partes da África, as mulheres eram encaminhadas às cozinhas da Casa Grande. Segundo outra historiadora, Arany Santana, da Casa do Benim, elas “descobriam aos poucos que podiam realçar o sabor de tudo, desde as moquecas ao xinxim de galinha, passando pelo caruru dos ibejis, orixás gêmeos. E aproveitavam sobras. O azeite virava farofa quando misturado à farinha e à banana (...); o bagaço do coco espremido se transformava em cocada branca; ou preta, se misturado à rapadura. O caldo que sobrava do cozido, se engrossado com farinha de mandioca, virava pirão.” Houve uma deliciosa mescla de sabores locais com saberes estrangeiros.

As frigideiras, muito comuns entre os baianos, e feitas com peixes ou camarões, tem pé em Portugal com tempero africano na Bahia. E a de bacalhau mais ainda. Tornou-se explícita desconstrução da conhecida bacalhoada. Tem os mesmos ingredientes (bacalhau, batata, ovos, alho, cebola, tomates, pimentão, azeite, coentro), com o acréscimo do leite de coco, outro ingrediente que nunca pode faltar na despensa dos baianos. Fica saborosa e não sobra nem louça para lavar, pois é preparada na própria frigideira a ser levada à mesa. Tudo de bom!

Comece pelo bacalhau, que deve ser dessalgado com antecedência: 24 horas na água, trocada várias vezes. Mantenha dentro da geladeira todo o tempo. Se conseguir o bacalhau dessalgado, tudo fica ainda mais simples. Estando dessalgado, ferva água numa panela, mergulhe o bacalhau e deixe ferver por vinte minutos. Desligue, espere esfriar, reserve a água do cozimento. Limpe-o de peles e espinhas. Desfaça empedacinhos. Reserve. Descas que e corte as batatas em cubos pequenos. Faça o mesmo com a cebola e o pimentão. Pique os dentes de alho e o maço de coentro (ou salsa).Na frigideira, coloque o azeite, frite o alho, junte as cebolas. Em seguida, as batatas cortadas miudamente, os tomates e o pimentão picadinhos, o coentro (ou salsa). Refogue bem e junte um pouco da água de bacalhau reservada. Quando as batatas estiverem macias, agregue o bacalhau e mexa. Despeje o leite de coco e volte a mexer. Prove o sal e a pimenta. Quando estiver secando, coloque os ovos batidos e sacuda rapidamente a frigideira, para que os ovos se espalhem por igual. Ao perceber que coagularam, desligue o fogo e leve a frigideira diretamente ao forno já aquecido, apenas para a superfície dourar. Bastam cinco minutos. Sirva imediatamente.  

 

ingredientes

   500 gramas de bacalhau cozido e desfiado

  500 gramas de batatas 

  2 tomates médios  bem maduros

 1 cebola média 

  4 dentes de alho

  ½ pimentão amarelo

  1 ramo  pequeno de coentro (ou salsa)

  1 vidro pequeno de leite de coco

 4 colheres de azeite de  oliva

  6 ovos

  Sal e pimenta-do-reino a gosto

 

Passo a Passo

 

Refogue no azeite alho, cebola, batatas, tomates, pimentão

Depois de macias as batatas, junte o bacalhau dessalgado, cozido e desfiado

Quando o caldo secar, acrescente o leite de coco e sacuda a frigideira

Depois de cinco minutos, acrescente os ovos batidos

Espere coagular e leve ao forno já quente apenas para gratinar 

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