Frango com quirera

Qual é a cena que pinta no imaginário quando falamos em comida mineira? Em primeiro lugar, um fogão à lenha,

30/09/2018 | Tempo de leitura: 4 min

 
Ingredientes:
 1 xícara (chá) de quirera de milho
 1 cebola média picada
 2 dentes de alho
 Pimenta-do-reino a gosto
 Sal a gosto
 1 kg de frango em pedaços
 3 colheres (sopa) de óleo de milho
 3 tomates bem maduros
 2 colheres (sopa) de salsa picada
 2 cubinhos de caldo de galinha
 
 
Qual é a cena que pinta no imaginário quando falamos em comida mineira? Em primeiro lugar, um fogão à lenha, com varal em cima para pendurar linguiças a serem defumadas. Sobre as trempes, panelas de ferro com comida fumegando e cheiros bons invadindo toda a cozinha.  Ao lado, um bule de café de metal pintado. Na mesa, queijo. No forno, alguma quitanda  assando libera moléculas de aroma de polvilho trazendo à  baila uma curiosidade: será pão de queijo ou biscoito?  Encostada na parede uma prateleira com latas onde se guardam arroz, feijão, café, fubá... Se for cozinha do interiorzão, fubá de moinho, para  muitos pratos que vão do angu às broinhas, passando por um tanto de quitandas cujos nomes pitorescos merecem um estudo à parte.
 
Da horta virão as verduras- couve sempre haverá, independente da estação; os pés de ora-pro-nobis, arbusto rústico que funciona  em geral como cerca, estão por toda parte, basta estender a mão e colher; as grandes folhas da taioba gostam de sombra e as moitas  ficam num dos cantos dos quintais; em outro, os esguios pés de quiabo, que têm de ser colhidos quando a gente quebra com facilidade a sua pontinha. Se há espaço, com certeza nele se esparrama a abobreira, da qual se aproveitam os frutos verdinhos e os brotos a que chamam cambuquira e se transformam num delicioso refogado. Nos muros o chuchuzeiro se debruça do outro lado, favorecendo também o vizinho com sua abundância. Quem disse que aqui se encerra esse cenário? Tem galinheiro onde se colhem ovos todos os dias. E o franguinho de canela amarela pra fazer ensopado com caldo espesso. Chiqueiro  não sei se há mais, mas pernil é básico, vindo de açougue ou supermercado, assim como o leitão que nos fornos à lenha tem a pele tão pururucada que fica uma beleza! E o que dizer do torresmo crocante? E do porco na lata? 
 
Impossível não reverenciar essa raiz cabocla que Minas Gerais mostra com modéstia misturada a orgulho porque mineiros sabem que a sua  cozinha é uma das mais saborosas do país, mesclando influências portuguesas, indígenas e africanas. Forjada a partir dos séculos XVIII e XIX e em dois momentos distintos e complementares da história da região, o de escassez, no auge da mineração do ouro, e o de fartura, com a ruralização da economia regional, esta cozinha, também chamada caipira, põe  na mesa iguarias que fazem a boca salivar a partir da lembrança que seus nomes evocam: feijão tropeiro,  angu de milho verde, paçoca de carne seca, farofas e toda uma série de pratos em que predominam as carnes de porco e de frango atravessando o tempo até chegar a nós de forma bem similar àquela de séculos atrás. 
 
Dizem os historiadores que dos índios vieram o escaldado, o pirão, a paçoca, os pratos à base de mandioca ou de milho, com cujos grãos se criaram canjicas, pamonhas, curaus. Dos portugueses adveio a ampla utilização dos ovos, o que propiciou um repertório criativo onde pontuam  não apenas fritadas, ovos estrelados, cozidos e moles, mas também doces, bolos, pudins, baba-de-moça, ambrosias, quindins, fios de ovos e gemadas. Pois quando os engenhos se multiplicaram o açúcar chegou arrasando. A rapadura  virou item básico da despensa. Melado com farinha e, mais tarde, com queijo, tornou-se dupla consagrada. Surgia a sobremesa, que índios e africanos ignoravam, mas portugueses apreciavam. Foi com eles que se aprendeu a receita de doces que já eram parte da tradição lusitana, adicionados a elementos nacionais como amendoins e castanhas, bananas da terra, cajus, abacaxis. As compotas aproveitaram as frutas nativas, como as goiabas;  e aquelas que o português trouxe para os pomares brasileiros, como o marmelo. 
 
Nas casas mineiras, no dia a dia, tempos difíceis impunham o bom senso. As mulheres passaram  a aproveitar sobras e  criaram o mexido, uma mistura de tudo que havia sobrado  com um pouco de farinha e pimenta. Comido na primeira refeição da manhã, antes da saída para a lida, ou no jantar, para acalmar o estômago antes de dormir, esse prato perdura ainda hoje, sobretudo em fazendas, no interior  remoto, ou nas cidades onde o mineiro prepara o seu para matar saudades. Este viés da necessidade parece ter sido o pai do prato que hoje trazemos a esta página: o frango com quirera. A quirera (nome de origem tupi) é um subproduto do milho e resulta dos grãos bem quebrados. É conhecida também como canjiquinha de milho e xerém. Nutritiva e saborosa, encontra-se com facilidade nos supermercados e tem custo baixo. 
 
Como preparar? Vamos lá. Deixe a quirera de molho na água por duas horas. Enquanto isso,  tempere o frango com sal, alho, pimenta-do-reino, cheiro verde. Aqui usamos coxa e sobrecoxa. Em uma panela dissolva dois tabletes de caldo de galinha em 1 litro de água fervente. Junte a quirera (bem escorrida) e cozinhe em fogo baixo por 25 minutos. Reserve. Doure a cebola e o frango no óleo. Junte os tomates (sem pele e sementes) picados em quatro. Agregue a água fervente e cozinhe em fogo baixo até o frango ficar macio. Prove o sal. Junte a quirera reservada e cozinhe por mais cinco minutos. Polvilhe a salsa e sirva bem quente.  

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