Dadinhos de tapioca

Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) foi folclorista, historiador, professor, jornalista e dos mais importantes pesquisadores das manifestações

15/07/2018 | Tempo de leitura: 4 min

Ingredientes
 250 gramas de queijo coalho ralado
 250 gramas de tapioca granulada
 ½ litro de leite 
 Sal 
 Pimenta-do-reino branca
Sonia Machiavelli
EDITORA
 
Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) foi  folclorista, historiador, professor, jornalista e  dos mais importantes pesquisadores das manifestações culturais brasileiras. Tenho grande admiração por sua figura de nortista dedicado a resgatar a história do povo na obra vasta e  substanciosa. Seu saber contemplou o folclore e a filologia, a antropologia e a música. Um fenômeno da nossa cultura.  Pois é ele quem nos conta  que a fabricação de queijo no Nordeste do Brasil data da instalação das primeiras fazendas nos sertões e que o queijo coalho reconhecido como tal vem sendo  produzido há mais de 200 anos. Sua origem estaria relacionada ao matulão, bolsa feita do estômago de animais e na qual  vaqueiros acondicionavam  leite. Como as jornadas eram longas, e o clima quente, o leite logo coagulava e originava uma massa que, por sua vez, deu origem ao já famoso  produto.
 
Este processo, aliás, é milenar. Mas cada  queijo  que dele deriva difere de acordo com as características do leite, do clima da região,  do tempo de maturação. No caso do queijo coalho, a massa branca, de média a alta umidade e semi-cozida, é  pouco salgada e levemente ácida, com teor de gordura entre 35,0% e 60,0% . Resistente ao calor, o queijo pode ser assado sem perder qualidades.  O termo “coalho” diz respeito à substância adicionada para a coagulação do leite- uma enzima digestiva dos mamíferos, também chamada renina. São grandes produtores Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
 
Este queijo vem ganhando a preferência do consumidor brasileiro de outras regiões do País e também a cozinha de muitos chefs  que criam com ele receitas novas, simples, saborosas e identitárias. Como Rodrigo de Oliveira, autor dos “dadinhos” do restaurante de seu pai, o Mocotó, na paulistana Vila Medeiros. Desde 2008 conquistaram o Brasil e logo depois pontos estrelados do mundo como o  Le Dauphin, em Paris; o 10 William, em Sidney; o FogO, em Barcelona; o In situ, em São Francisco. A lista só cresce- em nosso país também. Inúmeros restaurantes e bares Brasil a fora oferecem os dadinhos, na sua fórmula clássica e em versões adaptadas. Tornou-se um clássico brasileiro, como a coxinha e o brigadeiro. Em entrevista à jornalista Beatriz Marques, Rodrigo Oliveira, dono também do Esquina Mocotó, que tem uma estrela no guia Michelin e fica pertinho do tradicional Mocotó, conta a gênese da iguaria:
 
“Em 2004,  eu estava na faculdade (de gastronomia na Anhembi Morumbi) e uma colega, a Adriana Cymes (do bufê Arroz de Festa), me falou de um bolinho com tapioca que era a cara do Mocotó, com tapioca, leite, queijo minas, ovos, manteiga e era boleado. Fiz uma versão com queijo coalho e comecei a oferecer o bolinho no Mocotó, mas sem colocá-lo no cardápio. Como era uma massa melindrosa, tinha de bolear rápido, pois logo perdia o ponto. Um dia, tive de sair da cozinha enquanto fazia a massa e, quando voltei, estava uma placa dura. Ia jogá-la no lixo, mas na hora me lembrei da polenta, que é espalhada na assadeira, cortada e frita. Testei e fiz um tijolinho frito. E deu certo. Foram muitos testes até chegar a algo mais simples: tapioca, leite e queijo coalho. Outro toque nosso é a pitada de pimenta-do-reino branca, que tem uma afinidade tremenda com os lácteos. E acertei o sal. O formato de dadinho veio depois, quando uma amiga, depois de provar o ‘tijolinho’, disse que, se fosse mais crocante, seria perfeito. Ac
abei então cortando-o em três cubos, que ficaram mais crocantes, principalmente nas arestas – é uma pontinha ideal para “chuchar” na geleia. Assim é bem mais rápido de fazer, não precisa bolear. Não demorou muito para as pessoas começarem a pedir pelo “dadinho”.
 
Quando a gente lê isso pensa como todo ato criativo nem sempre nasce de uma epifania; muitas vezes ele pede percepção, ousadia e esforço. Particularmente  reverencio a criação de  algo novo com poucos elementos, técnica fácil, preço acessível. E sendo  produto culinário, gostoso e prático de comer, pois dispensa talheres. Qualquer pessoa acerta esta receita, mesmo as que  não têm prática alguma na cozinha. As medidas que aqui dou são as que o Rodrigo generosamente divulga pela mídia: equivalência de queijo e tapioca, sal e pimenta-do-reino branca na medida do agrado de cada um, leite (integral) fervente para dar liga. Se você está tentado a experimentar, e eu digo que vale a pena, comece usando 250 gramas de queijo coalho e 250 gramas de tapioca granulada. Misture numa tigela, junte sal e pimenta, mexa de novo. Ferva o leite e despeje devagar sobre esses ingredientes secos. Vá mexendo com colher de pau rapidamente, sem parar, até que tome jeito de mingau grosso. Antes que esfrie e fique difícil de manusear, c
oloque numa assadeira forrada com papel filme. Ao forrar, deixe sobrar o papel, porque ele vai envolver a massa como se fosse um tablete (veja no quarto passo).Acerte com as mãos e leve à geladeira por três horas no mínimo. Desenforme, desembale, corte os cubinhos, frite em óleo quente, escorra em papel toalha e sirva com geleia agridoce, que pode ser de pimenta-biquinho, criada pelo Rodrigo e já à venda em muitos lugares.

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