Sopa Crista de Galo

O “Polígono das Secas”, assim denominado por possuir área poligonal e sujeita às secas periódicas, abrange área

27/05/2018 | Tempo de leitura: 4 min

Ingredientes
 1 litro de água
 2 cubos de caldo de legumes
 1 cebola picada 
 2 tomates picados
 1 pimentão verde (pequeno) picado
 3 colheres (sopa) de coentro fresco (pode ser substituído por salsa) picado
 1 dente de alho grande, picado
 Sal e pimenta-do-reino a gosto 
 1 colher (chá) de urucum (colorau)
 4 ovos
 1 xícara (chá) de farinha de mandioca fina  crua
 
 
O “Polígono das Secas”, assim denominado por possuir área poligonal e sujeita  às secas periódicas,  abrange área de 1 milhão de quilômetros quadrados onde vivem cerca de 25 milhões de nordestinos em 1309 municípios de oito estados do Nordeste e Norte de Minas. Vasta, pobre e populosa é a região mais  subdesenvolvida do Brasil, com os piores índices de desenvolvimento humano (IDH). Essas informações fazem parte do  livro Culinária Sertaneja, de Benedito Vasconcelos Mendes,  escritor e professor potiguar que empreende em sua obra um trabalho que tanto é de pesquisa gastronômica quanto de etnografia. Entre menção a receitas e registros históricos importantes,  diz ele que a civilização que ali se concentra   originou-se da mistura de três etnias – a indígena, representada pelos tapuias, a branca, dos portugueses colonizadores, e a negra, dos escravos vindos da África. A culinária que daí deriva surgiu como estratégia de sobrevivência durante as calamidades climáticas, por ser a única possível com o aproveitamento de alimentos básicos como mandioca, milho, abóbora, feijão, amendoim  e batata-doce,  ingredientes que já faziam parte da dieta dos índios que habitavam a região. Com os produtos retirados da terra e as receitas e práticas alimentares levadas pelos europeus e africanos, surgiu a comida cabocla do sertão nordestino.  
 
Outra obra sobre o mesmo tema é Gastronomia Sertaneja- Receitas que contam histórias,  de Ana Rita Dantas Suassuna . Logo nas primeiras páginas, a prima do grande Ariano Suassuna confirma o que diz Vasconcellos: “A cozinha do sertão  é formada por elementos básicos.” E frisa:  “ Há pratos que só agora começaram a ser conhecidos, em um momento em que a gastronomia está buscando e documentando  informações em cada canto. Você consegue ver que muitos ingredientes do sertão ainda não chegam ao litoral, e vice-versa. Há uma falha em como é colocada a cozinha regional. Um bom exemplo é a Bahia: as pessoas costumam dizer: ‘isso aqui é comida baiana’ referindo-se à comida de Salvador. Os pratos de lá são muito diferentes e se mantêm como comida de raiz, mas não chegam ao sertão. Há pessoas do sertão que não comem acarajé e nem sabem  prepará-lo. É preciso reconhecer essa diferença”.
 
Como ambos os  escritores  citam a Sopa  Crista  de Galo (ou Caldo da Caridade) como uma das expressões máximas dessa culinária  sertaneja  que consegue tirar de quase nada algo muito peculiar e nutritivo, com cor, aroma e sabor da natureza, testei a receita e achei surpreendente o resultado. Por isso a trouxe para os leitores, a fim de que a experimentem nesse prenúncio de  inverno, onde as noites, por aqui, têm sido mais frias.
 
Faça assim. Coloque a água para ferver.  Numa panela  (fiz numa de barro) refogue num  fio de  azeite a cebola bem picadinha, o alho esmagado e depois também cortado, os dois tomares cortados em cubos pequenos (não precisam ser pelados nem destituídos de suas sementes), o pimentão sem a parte branca e cortado em pedaços bem miúdos. Mexa por três minutos, até que a cebola murche e então junte a água fervente. Assim que levantar fervura novamente junte os cubos de caldo de legumes, a pimenta-do-reino ( como em todo preparo que a requer, moída na hora), o urucum (que entre os tapuias servia também para colorir o corpo), acerte o sal. Baixe o fogo e mexa devagar com colher de madeira. À parte quebre quatro  ovos numa tigelinha, para ver se estão perfeitos, e os leve  um a um ao caldo que deve estar borbulhando. Ao depositar o quarto ovo, não mexa mais na panela, para que não se quebrem. Quando perceber que estão cozidos, retire-os para um prato ou travessa. Adicione ao caldo que ficou fervendo na panela a farinha de mandioca, aos poucos, fazendo-a chover com as mãos, e mexendo devagar com a colher de pau. A consistência deve ser a de um caldo espesso. Quando tiver alcançado este ponto, volte com os ovos cozidos e acrescente o coentro. Para um nordestino este tempero é insubstituível.  Mas conheço  muita gente que não gosta e por isso o troquei por salsinha, que parece ser opção primeira dos cozinheiros de nossa região. Assim que polvilhar o cheiro verde, tampe a panela por dois minutos  para perfumar o preparo. Sirva bem quente, em cumbucas de barro, como as  que vê na foto. Se não for possível, use tigelas pequenas. Mas prato fundo também serve. Enquanto estiver saboreando esta sopa numa noite fria pense que ela representava um banquete para aquele sertanejo visto pelos olhos de Euclides da Cunha “no auge da seca, (quando) só lhe restavam para desalterar  e sustentar os filhos, os talos tenros, os mangarás das bromélias selvagens”. A vida nem sempre é bela.

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