Comer bem: o adorado 'Picadinho' e suas variações

E não existe apenas uma receita de picadinho; os ingredientes e as técnicas variam.

21/01/2018 | Tempo de leitura: 4 min

Ingredientes 
1 kg de filé 
 2 cebolas médias
 3 dentes de alho
 4 colheres (sopa) de farinha de trigo
 70 gramas de bacon em cubos
 ½ xícara (chá) de extrato de tomate
 2 colheres (sopa) de molho inglês
 Caldo de meio limão
 6 colheres  (sopa) de azeite
 ¼ de xícara (chá) de salsa picada
 4 xícaras (chá) de água fervente
 Sal
 Pimenta-do-reino
 
Em temos de história culinária, ou das civilizações, pois ambas se interligam, é sempre interessante lembrar que alimentos partidos em pequenos pedaços só aparecem na mesa europeia a partir da Renascença, com o surgimento dos talheres, nos alvores do século XV. Antes, durante a Idade Média, nos palácios franceses, ingleses e italianos, eram servidas nos banquetes grandes porções, como animais inteiros assados, estraçalhados com as mãos e devorados pelos nobres como comemoração de suas habilidades na caça. A gente costuma ver isso em filmes de época. À plebe, que não tinha direito ao esporte aristocrático, restavam as carnes mais duras e gordurosas que eram cozidas durante muito tempo, e às quais se juntavam legumes e grãos. Os caldeirões de ensopados poderiam assim ser consumidos por mais pessoas, num tempo onde a escassez de alimentos era comum. Com as mãos se levavam à boca os pedaços; o caldo nutritivo sorvia-se diretamente das tigelas. O pão ajudava num caso e noutro.
 
Com o surgimento do garfo e da colher aparece uma gastronomia mais sofisticada. Com o primeiro era possível apanhar os pedaços e levá-los à boca sem problemas. Com a segunda, tomar o caldo com elegância. Foi Catarina de Médicis quem apresentou à Corte francesa o garfo, que tinha então apenas três dentes e era parte de seu dote de casamento, junto aos cozinheiros que a haviam servido em Florença. A partir de então pratos com ingredientes picados passaram a ser criados e viraram sinônimo de requinte. Eram os ancestrais do estrogonofe, do goulash, do boeuf bourguignon, do picadinho. Etc.
 
Quando no Brasil falamos de picadinho, o que vem à cabeça são pequenos pedaços de carne bem macios, mergulhados em molho espesso e bem temperado, que se saboreia com arroz e outros acompanhamentos que variam segundo as regiões do nosso país. Pode ser feijão. Farinha de mandioca torrada. Farofa com bacon e cheiro verde. Couve em tirinhas finas passadas na manteiga. Banana crua ou frita. Abóbora madura. Ou ovo frito, como se vê na foto desta página. É comida popular, que agrada a todos os brasileiros. 
 
Este prato tão conhecido surge entre nós como herdeiro dos guisados portugueses. Desde seu aparecimento nas casas de pasto e tabernas dos centros urbanos do Brasil oitocentista teve cunho popular. Com o advento dos botequins passou a fazer parte do cardápio de funcionários públicos e comerciantes que povoavam as ruas cariocas desde a chegada de Dom João VI em 1808. Sabe-se que os estudantes de Direito da Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, o tinham como refeição diária, por ser prático, saudável e econômico. Nos anos 50 do século passado tornou-se ícone da boêmia carioca, degustado nas madrugadas. 
 
Não é de difícil preparo, mas tem seus macetes. E não existe apenas uma receita de picadinho; os ingredientes e as técnicas, assim como os acompanhamentos, variam. É próprio da culinária este movimento dinâmico ao longo do tempo e das culturas. Vou mostrar aqui uma receita básica, a partir da qual os leitores interessados poderão fazer suas variações.
 
Comece picando a carne em cubinhos bem pequenos. Se tiver uma faca afiada, faça isso com a ponta. Coloque-os sobre um pano de prato e seque-os com papel toalha. Tempere com pimenta-do-reino. Envolva todos os pedaços com farinha de trigo. Será ela que vai engrossar o caldo quando chegar a hora. Coloque 1 colher de azeite numa panela, deixe aquecer e frite 1/3 da carne. Retire com espumadeira. Reserve. Coloque outra colher de azeite no fundo da panela, sem lavá-la. Refogue outro 1/3 e retire depois de frita, juntando à reservada. Coloque mais uma colher de azeite e finalize com o 1/3 restante. Assim a carne não desidrata, fica com cor bonita, retém seus sucos. Não lave a panela; os resíduos meio chamuscados da carne conferem um sabor todo especial ao prato. Junte a eles 1 xícara de água fervente e o suco de limão e mexa com colher até soltar as raspas. Despeje este caldo na carne já frita. Agora sim, limpe a panela com papel toalha, coloque o restante do azeite e o bacon em pedaços. Quando ele dourar, junte a cebola em cubinhos e os dentes de alho picados. Aguarde a cebola murchar, agregue o extrato de tomate e devolva toda a carne picadinha à panela. Acrescente três xícaras de água fervente e o molho inglês. E só então salgue. Deixe cozinhar por vinte minutos ou até a carne ficar bem macia e o molho espesso. Sirva com arroz branco e ovo frito, conforme mostra a foto, decorando com salsinha picada fino. Ou crie sua própria composição gourmetizada. 

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