O bullying, para muito além de mero fenômeno escolar, é a matriz primitiva de uma forma adulta de violência. O que nas crianças aparece como escárnio, exclusão e humilhação, no adulto reaparece como assédio moral, igualmente com humilhações, ora potencializadas com linguagem institucional, cargos, metas e discursos de produtividade. Na infância, o egocentrismo é inevitável; na vida adulta, pode se aprofundar o egoísmo. Muitos não atravessam o processo de amadurecimento moral: apenas envelhecem.
Permanecem presos a vícios cognitivos e afetivos imaturos, à incapacidade de reconhecer o outro como digno de respeito. Neste caso, o adulto assediador é uma criança que ainda não aprendeu a deslocar-se muito do próprio umbigo.
Assim, a violência não nasce necessariamente no mundo do trabalho: ela é transferida para ele. O ambiente laboral torna-se o novo pátio da escola, o chefe encarna o antigo valentão, e a vítima continua sendo aquele que não consegue escapar desse espaço de perigosa ignorância.
A diferença é que agora a agressão é profissionalizada e induzida pelo discurso da eficiência, da competitividade e das urgências inventadas pela “cultura organizacional” ou demandas de um mundo ansioso e sempre à beira da próxima crise. O bullying, portanto, em alguma medida, é o pai do assédio moral porque funda essa gramática relacional baseada na humilhação como forma de vínculo.
É como se a criança se tornasse o mestre do adulto, submetendo-o a seus caprichos mais absurdos. O sujeito moralmente subdesenvolvido não supera essa lógica: ele apenas a refina quando encontra um ambiente que tolera a intolerância. Infantilizado e institucionalizado, ele transforma frustrações em perseguição, inseguranças em autoritarismo, fragilidades em crueldade e omissão que julga legitimadas, naturalizadas. Enquanto não reconhecermos essa genealogia da violência, seguiremos formando adultos tecnicamente competentes e eticamente atrofiados. O assédio moral é, em parte do seu núcleo, a infância que não foi superada — é a criança ferida que, ora incorporada no mundo adulto, passou a ferir.