Nas redes sociais operadores da direita acusaram a Alpargatas, dona da marca Havaianas, de misturar publicidade com política e de adotar um suposto viés de esquerda no anúncio gravado pela atriz Fernanda Torres. Virou meme. Até o NY Times comentou.
O ex-deputado federal Eduardo Bolsonaro pregou boicote ao chinelo que há anos é um símbolo global da cultura brasileira, vendido em mais de cem países. Os investidores venderam ações da Alpargatas que caíram 2,4% na segunda-feira. A empresa perdeu R$ 152 milhões do seu valor de mercado. Na terça-feira deram o troco. As ações subiram mais de 4%.
O cenário do audiovisual tinha como "pano de fundo" chinelos vermelhos. A atriz contratada é a mesma do filme "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles. O enredo faz uma crítica aos tempos da ditadura militar e ao autoritarismo. Os publicitários e Fernanda guardam silêncio em torno da polêmica. Enquanto isso os semioticistas e psicólogos aproveitam a matéria prima valiosa para estudos comportamentais. Sabe-se que o cérebro humano se apega a marcas que representam seus valores e sentimentos. O neuro marketing utiliza-se de gatilhos específicos para intensificar a fidelização ao produto. Publicitários experientes, responsáveis por grandes contas não iriam ser ingênuos a ponto de provocarem celeuma e pôr em perigo a marca que deveriam incrementar.
Analistas especializados em marketing comentaram que a Havaianas, como produto, estava mesmo precisando de uma reciclagem. Necessitada de renovar sua clientela e entrar "com os dois pés" neste Verão na geração "Z", antes que seja tarde. A mobilização política, num país polarizado como o nosso teria sido a estratégia escolhida para dar visibilidade e agregar valor. Se fosse provocar "às esquerdas", o impacto seria menor. A direita é mais bocuda.
Se a hipótese é verdadeira não há dúvida de que bolir com o extremismo político foi uma ideia - não digo que "genial" - mas chegou embrulhada em presente de Natal. A esquerda também se utiliza muito do uso político para tentar boicotar marcas pertencentes a pretensos apoiadores da direita, ou de Bolsonaro. Todos eles resistiram a boicotes. Que o digam o Véio da Havan, os donos da Centauro, da Riachuelo, do Madero e da rede Coco Bambu.
O chocolate Biz foi duramente atacado por percepção política em torno de um episódio de 2023. O influenciador Felipe Neto promovia a marca, mesmo tendo sua figura associada a posicionamentos contra Jair Bolsonaro e como apoiador de pautas progressistas. A bronca visou substituir o Biz pelo KitKat da Nestlé.
Mesmo marcas fortes podem sofrer danos no contexto social, cultural, político e simbólico. A Nike teve milhares de tênis queimados nos Estados Unidos, porque se utilizou de um astro negro do futebol americano em um spot publicitário. No início de um jogo importante, enquanto a banda tocava o Hino Americano e subia a bandeira, o jogador manteve-se ajoelhado e não perfilado, em protesto pelo assassinato de George Floyd, o negro imobilizado e asfixiado por um policial branco. Em Brusque, Santa Catarina, o dono da Loja Guarany "queimou" o estoque de Havaianas, vendidas a R$ 1, porque não vai mais trabalhar com a marca.
A cartilha reza que "Polêmica viraliza e viralização vende". Elon Musk e Mark Zuckerberg aproximam suas fortunas do trilhão de dólares graças as publicidades que alimentam o Facebook, WhatsApp, Instagram e X, movidas por trocas de insultos entre os usuários.
Os chinelos de dedo foram inspirados no "zori", japonês, que tinha solado de palha de arroz. No Havaí imigrantes japoneses passaram a fabricá-los com tiras de pneus. Chico Anísio, nos anos 1970 alertava o público a só comprar "as legítimas Havaianas" que "não soltam as tiras e não têm cheiro". Hoje existem algumas sofisticadas, enfeitadas com pedrarias. Até as francesas as utilizam em vernissages. Très chic.