Menos de 1% dos brasileiros com indicação para cirurgia bariátrica conseguem realizar o procedimento. Repito: menos de 1%. É a estatística que parece piada de mau gosto, mas que reflete um país que trata saúde pública como buffet: quem chega cedo e tem convite entra, o resto fica do lado de fora, olhando pela vitrine.
A obesidade é um problema real, com números que engordam mais rápido do que a conta de luz: 68% da população com excesso de peso, 31% já classificados como obesos. Um exército de brasileiros com diabetes, hipertensão, apneia, dores nas costas e no bolso. E o que o governo oferece? Uma cirurgia que existe no papel, mas não na prática. É a velha tradição nacional: direitos universais com acesso restrito.
O SUS, que deveria ser o motor dessa mudança, funciona como carro velho: promete andar, mas só pega no tranco. Entre 2020 e 2024, menos de 32 mil bariátricas foram feitas pelo sistema público. Trinta e duas mil em um país de milhões de obesos mórbidos.
É como tentar esvaziar uma piscina olímpica com um copinho de café. Já os planos de saúde, sempre mais ágeis quando há mensalidade em dia, fazem um número maior, mas não sem impor carências, protocolos e a clássica burocracia que transforma o paciente em maratonista de carimbo.
O discurso oficial, claro, é de mobilização. Ministério da Saúde e Conselho Federal de Medicina atualizam regras, debatem critérios, criam resoluções cheias de artigos e incisos que mais parecem receita de bolo sem forno. Campanhas publicitárias com slogans motivacionais tentam convencer o público de que bariátrica é "a melhor escolha". Sim, a melhor escolha — se você tiver sorte, dinheiro e paciência bíblica.
O problema é que, por trás da cortina de relatórios, PDFs e powerpoints, está a realidade crua: milhões de brasileiros adoecendo e morrendo sem acesso ao tratamento. A cirurgia, que tem eficácia comprovada, segurança maior do que retirar uma vesícula e melhora brutal na qualidade de vida, continua sendo um luxo. No país da desigualdade, até emagrecer virou privilégio.
Não é exagero dizer que o Brasil é obeso não apenas na balança, mas no descaso, na lentidão e no cinismo institucional. Estamos atolados em obesidade mórbida de promessas, hipertensão de burocracia e diabetes de propaganda. O Estado brasileiro se porta como aquele médico que prescreve dieta enquanto devora um rodízio: recomenda, mas não pratica.
No elevador da obesidade, milhões de brasileiros apertam o botão de "socorro", mas só 1% vê a porta abrir. O resto fica lá dentro, sem ar, esperando que alguém leve a sério que saúde não é favor — é direito. Até lá, seguimos de regime forçado: regime de paciência, de espera e de enganação oficial.