Gustavo Maciel, nome de rua no centro da cidade, era um mineiro bonachão, mas cioso do seu papel de chefe político. Nos anos 1920, como hoje, valia tudo para levar vantagem na política. Ele chegou a falsificar a certidão de nascimento para ser presidente da Câmara. Naquela época o lugar era do vereador mais velho. Assim, passou a perna no médico Virgílio Malta, outro nome a ilustrar uma rua central.
Maciel era mesmo "coronel", mas de mulher... O título da Guarda Nacional, era comprado por donos de terras e grileiros com forte influência política. Os coronéis tinham um exército de jagunços, pagos para manter os privilégios das elites.
Havia em Bauru um jornal chamado "O Tempo", dirigido pelo carioca Carlos Marques da Silva, recém-chegado e ainda não muito ciente da brabeza dos nossos políticos. Um dia, Gustavo Maciel invade a redação, na quadra 5 da Rua Batista de Carvalho e indaga com voz de ofendido:
- Quem foi que escreveu esta merda?
- Fui eu, coronel. Mas não é merda não.
É só um artigo. O exercício de um direito de crítica.
- Pois então vai comer.
Carlos, o jornalista, tentou demover o coronel das suas intenções belicosas. Ficou naquele come-não-come. Gustavo Maciel, querendo impor respeito com o corpanzil e dar uns tapas no jornalista. Inferiorizado fisicamente, Carlos Marques puxa do revólver e atira. O chefão político recua com a mão no abdômen.
O sangue brota pelos vãos dos dedos. Naquele tempo não havia ambulância. A vítima vai para a Santa Casa na primeira carroça que passou na porta da redação. Imagine alguém com hemorragia, uma bala no estômago e ainda sacolejando pelas ruas de terra até a Santa Casa, na periferia da cidade que acabava na Rua 15 de Novembro.
Naquela época não existiam antibióticos. Tiro que furava as tripas provocava morte certa, por septicemia. Operado pelos médicos Figueira de Mello e Castro Goyana, Maciel foi milagrosamente salvo. No dia seguinte já estava sentado no leito, tomando canja de galinha com tanta sofreguidão que até na sala de espera se ouvia o sorver do caldo.
Esta e outras histórias, eram contadas pelo cronista Carlos Fernandes de Paiva, testemunha ocular de muitos dos episódios que marcaram o Bauru de antigamente. Quando ele se sentava no velho sofá da redação, com seu terno de linho, gravata borboleta, chapéu panamá e os óculos de lentes solares, desfiava histórias de um pioneirismo violento. Reuniu-as num livro de 1975, sob o título "Narrativas Sintéticas dos Fatos que Motivaram a Fundação de Bauru".
Segurando o charuto com os dedos nodosos, mas de unhas bem cuidadas, o velho Paiva descrevia o corre-corre que a briga do coronel Maciel provocou na cidade. Polícia, delegado, correligionários, lotaram a Santa Casa. Os puxa-sacos clamavam por "vingança". O delegado queria abrir logo o inquérito e mandar o agressor para a cadeia.
"Nada disso" - berrou o coronel com uma força estranha para quem deveria ter partido para o outro mundo. "Deixem o menino em paz". E como se estivesse num palanque sentenciou diante da plateia atônita: "Isso aqui é uma democracia".
O jornal "O Tempo" não durou muito. Carlos Marques da Silva decidiu ser mais maneiro nas suas críticas. Sabia que não teria tanta sorte na próxima vez. Sem aquele tom panfletário, o periódico perdeu os leitores ávidos para ver o circo pegar fogo. Mas, o coronel Maciel nunca perdeu a pose. Paiva lembrou-se do dia em que sequestraram o Tonico Lista, eficiente cabo eleitoral do dr. Virgílio Malta.
Tudo para evitar que o Tonico aliciasse eleitores com suas lábia e técnica infalíveis, principalmente porque movida a moedas de mil réis. Alguém convidou o cabo eleitoral para dar uma voltinha no Ford-de-Bigode. Na verdade, um sequestro que durou até o fechamento das urnas. Tonico Lista, assustado, decidiu mudar de cidade. O grupo do coronel Maciel ganhou mais uma vez.