DENÚNCIA

Racismo nos atendimentos de saúde persistem em Jundiaí

Por Marília Porcari |
| Tempo de leitura: 5 min
Seventy Four iStock
Pacientes negros têm dificuldade em denunciar racismo em atendimentos médicos
Pacientes negros têm dificuldade em denunciar racismo em atendimentos médicos

“Um olhar de desdém, de repulsa e de discriminação”. Assim o integrante do movimento negro em Jundiaí,  Vanderlei Victorino, relata o que sentiu durante um atendimento médico oftalmológico no Instituto Luiz Braille neste último mês. Ele ainda entendeu que o racismo estrutural estava presente na postura de alguns profissionais envolvidos na assistência que estava recebendo. Entre os pontos que o incomodaram está o tom de voz agressivo que foi usado contra ele e a falta de acolhimento após informar que tem condições específicas de saúde como pressão alta e diabetes e não estava se sentindo bem. “Olhares e gestos são as formas do cotidiano na prática do racismo, e foi justamente a fala em tom alto, mais os olhares e gestos, que identifiquei na ‘médica residente’. Isso me fez encerrar a consulta ali naquele momento. Foi a forma que encontrei para preservar a minha saúde mental diante da possibilidade de vir a sofrer racismo”, explicou. 

Com a insatisfação, ele fez questão de registrar os problemas e alertar a direção do Instituto Luiz Braille e da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ), instituição a qual os médicos residentes que prestaram o atendimento à Victorino são ligados. Apesar disso, sua reclamação foi invalidada. “A recusa das instituições em não reconhecer o crime de racismo institucional é um grande desafio que enfrentamos diuturnamente, e é justamente por isso que o ‘racismo é um crime perfeito’. É a vítima que tem que comprovar que foi vítima de tal crime”, desabafa.

Para a diretora executiva do Instituto Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI), Luciana Viegas, a resposta por parte dos órgãos envolvidos de que não houve racismo no atendimento é mais uma violência. “Esta é uma dinâmica racista”, avalia, lembrando que apesar de estar mais ligada às pessoas negras com deficiência, ela percebe esta questão em outros casos, como na obstetrícia e na saúde mental.

Diagnosticada tardiamente como autista, Luciana teve diversos diagnósticos errados e sofreu com excesso de medicação em seu parto. “Primeiro existe o estereótipo de que pessoas negras são violentas. No caso das mulheres, acredita-se que aguentam mais dor. Quando fui ter meu filho, não estava sentindo dor, mas esta é uma condição minha, bem específica ligada ao autismo”, explica, dizendo que foram aplicadas mais doses de remédio do que seria necessário para induzir o nascimento do bebê, o que a deixou mal no pós-parto. “O profissional de saúde tem que passar por um letramento racial”, cobra. 

Já Victorino destaca a necessidade de políticas públicas que debatam o racismo nestes ambientes. “A mim cabe a abertura de diálogo com a Câmara dos Vereadores e assim os questionamentos pertinentes serem realizados de forma oficial via Legislativo, e a mesma ação junto aos conselhos da saúde e da comunidade negra de Jundiaí”, planeja. Ele reforça que o movimento negro da cidade também irá se manifestar a respeito, cobrando Politicas de Ações Afirmativas  e de Promoção da Igualdade, junto as duas instituições. 

Aumento de denúncias

O painel de dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania mostra que em Jundiaí neste ano houve 32 denúncias de violência a pessoa negra, mas apenas uma denúncia de violência foi registrada em estabelecimento de saúde. Em 2024, foram registradas 25 denúncias entre janeiro e abril de violência sofrida por negros em Jundiaí e duas em estabalecimentos de saúde.

Apesar dos dados, as denúncias ainda são poucas, na opinião da advogada Jéssica Vianna, que é Secretária Geral-Adjunta da 33ª Subseção da OAB/SP - Jundiaí. “As pessoas que sofrem o racismo muitas vezes acabam não denunciando por conta da ausência de provas. Porque por mais que a pessoa tenha passado por esse tipo de situação, quando ela necessita formalizar, ela acaba esbarrando nesta questão”, informa. Outro problema destacado pela advogada é que as possíveis testemunhas muitas vezes preferem ficar omissas. “Então a maioria das vítimas se sente desencorajada em formalizar, porque a pessoa vai atrás e quando chega realmente na hora de tentar fazer algum tipo de justiça, infelizmente não tem a prova e o caso acaba sendo abafado, arquivado, esquecido”, lamenta.

No caso de racismo no atendimento na saúde, Jéssica destaca os desafios, mas explica quais os sinais e comportamentos que ajudam a identificar que está acontecendo uma situação de discriminação racial por parte dos profissionais. “Em relação à diferença no tratamento, é importante observar se tem alguma diferença clara dispendida aos pacientes negros. Isso pode incluir um tempo de espera mais longo, menos atenção, menos cuidado, uma atitude menos amigável e menos acolhedora”.

A advogada salienta que é  importante também observar os comentários que os próprios profissionais de saúde fazem entre si. “É ficar atento se existe alguma piada ou algum comentário de teor racial, mesmo que de forma sutil, porque isso pode incluir estereótipos raciais ou suposições baseadas na raça do paciente”, considera.

Ainda assim, Jéssica considera que é uma questão delicada tratar o racismo. “Essas manifestações públicas de racismo acabam acontecendo realmente de uma forma mais sutil, mais subjetiva, que somente a pessoa que está ali mais atenta à conversa, à situação, e a pessoa que é negra, que está sofrendo os ataques racistas, que acabam percebendo”.

Resposta dos órgãos

Ao responder a reclamação de Vanderlei Victorino, o Instituto Luiz Braile informou que o atendimento prestado não foi discriminado “como interpretado de forma errada pelo paciente e seria totalmente improcedente a acusação de prática de racismo”. Já a Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ) afirmou que o atendimento ocorreu nos padrões esperados para um serviço-escola, que conta com a presença de médicos residentes em diferentes fases de formação, acompanhados por preceptores. A nota segue ainda considerando que “não houve qualquer conduta desrespeitosa, discriminatória ou relacionada a cor da pele ou origem do paciente”. A FMJ ainda diz que após análise detalhada, ouvindo médicos, assistente social e equipe administrativa, não identificaram nenhuma atitude que possa ser interpretada como discriminatória. “A alegação de racismo estrutural é infundada, grave e desprovida de respaldo nos fatos ocorridos. A FMJ repudia com veemência qualquer tentativa de associar a conduta da equipe médica a práticas preconceituosas”, finaliza.

Comentários

1 Comentários

  • BUDU GARCIA 13/04/2025
    Vanderlei Victorino & Luiciana Viegas: Não posso dizer que sou branco, consultando meus ancestrais, mas se não auto-declarar branco... Mas esses/as atendentes, gente mesquinha e pueril, não se lembra de que ainda serão idosos. E o etarismo não escolhe cor...Então, além de sermos discriminados/as pela cor da pele, sexo, deficiências, o seremos também por etarismo! Algo precisa ser feito pela maioria da raça negra neste país. Começar votando certo ajuda muito.