Transparência e Accountability em tempos de orçamento 'secreto'
Emendas "Pix", de relator, de comissão, de bancada, impositivas ..... Em tempos orçamento "secreto" as emendas parlamentares, com suas diversas classificações, vêm ganhando espaços nos noticiários e recentemente nos gabinetes do STF. Recentes decisões vêm impondo derrotas ao Congresso Nacional, forçando-o a ter mais transparência durante a tramitação da lei orçamentária, com clareza na identificação do autor da proposta legislativa e da destinação legitima do dinheiro público. As emendas de relator (que não identificava individualmente cada parlamentar), que deram origem ao nome "secreto" foram extintas na sua essência em 2022 pelo STF. As emendas PIX (transferências diretas e especiais sem necessidade de convenio específico) foram barradas provisoriamente nessa última semana pelo Ministro Flavio Dino. Congresso sempre inova e aperfeiçoa instrumentos formais para dar cada vez mais poderes aos parlamentares quando o assunto é emendas ao orçamento. É histórico e recorrente.
Em verdade, as emendas parlamentares revelam um grave desvirtuamento na função constitucional do parlamentar porque se cristalizaram ao longo do tempo como o meio pelo qual o parlamentar "leva dinheiro público" para sua base eleitoral, para agradar seus eleitores e seus cabos eleitorais em potencial (prefeitos e vereadores). Daí decorre a fama do bom político: aquele que viabiliza mais recursos e investimentos para os municípios. Onde está escrito na Constituição que essa é a função do parlamentar?
Mas por um grave defeito do sistema federativo fiscal brasileiro (não corrigido pela reforma tributária), onde aproximadamente 60% do dinheiro público está na União, 25% nos Estados e apenas 15% nos Municípios, essa passou a ser a principal atribuição do parlamentar: "o despachante de luxo" para arrumar dinheiro público para que os prefeitos atendam as necessidades públicas das suas cidades, onde moram as pessoas e efetivamente os serviços públicos precisam ser prestados.
Se os Municípios tivessem dinheiro público suficiente e compatível com suas atribuições constitucionais e legais, o bom parlamentar seria aquele que realmente legislaria e fiscalizaria, sem depender da "vassalagem política" institucionalizada entre as esferas de Poder, num cenário de codependência política, financeira e eleitoral.
Os parlamentares renunciaram à maior função legislativa que existe: elaborar as três principais leis orçamentárias do país, as que realmente podem decidir o futuro da vida das pessoas, em troca por emendas parlamentares de interesses pessoais, pagando o alto preço de aprovar em contrapartida todos os projetos de interesse do Poder Executivo. A elaboração e aprovação das leis orçamentarias viraram um grande "balcão de negócios" políticos.
E a sociedade? Assiste incrédula e até pouco tempo sem defesa para fazer valer os princípios constitucionais da publicidade, da moralidade e da eficiência que regem a administração pública. Ao que parece o STF vem assumindo o protagonismo de defender a sociedade conferindo com suas decisões total transparência aos orçamentos públicos. A transparência não foi erigida a princípio constitucional, mas está intrinsecamente ligada aos princípios constitucionais. E mais, está esculpida na própria noção de Estado Democrático de Direito. A transparência fiscal surge explicitamente na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e com isso traz o conceito do direito anglo saxão do accountability, que pode ser entendido como o dever dos agentes públicos em prestar contas de seus atos de forma responsável e transparente.
A noção e a ideia de accountability transbordam o princípio da transparência, pois este apenas informa e integra aquelas. Transparência e eficiência (como princípios de direito) no âmbito da Administração Pública e na concepção de um Estado Democrático de Direito reportam a ideia de um dever jurídico do agente público prestar contas da (boa) administração da coisa pública, que deve ser eficiente no sentido de garantir os direitos fundamentais da sociedade.
Transparência, eficiência, legitimidade, responsabilidade (no sentido de agir de forma responsável), responsividade, prestação de contas, participação democrática e colaborativa da sociedade e controle social são concepções jurídicas (sociais e políticas também) que se agregam a uma nova concepção de administração pública no Estado Democrático de Direito. Pode-se dizer que todas elas estão, em certa medida, inseridas na concepção de accountability.
Ao agir com subterfúgios de redação e classificação dos tipos e formas de emendas, amparadas por normas infralegais, o Poder Legislativo vai contra todos os princípios de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Alerta esse feito pelo Ministro Gilmar Mendes, quando afirmou em 2009 ao comentar a LRF, que "a existência de efetiva democracia não somente se liga a questão de accountability como condiciona sua própria existência".
O que é secreto, sigiloso, de difícil identificação não é transparente. O dinheiro é público e a sociedade, que pagou os tributos e destinatária desse dinheiro através de obras e serviços públicos, tem o direito de saber como seus representantes e seus administradores agem. E o STF o dever de fazer valer a Constituição.