
Foi em um retiro espiritual, buscando compreender o sentido da vida, que ele descobriu seu propósito. Criado na periferia de Bauru, onde via a violência "na porta de casa", Anderson Ricardo Mariano, 43 anos, é empreendedor social cofundador, mentor e presidente da Associação Wise Madness, que já atendeu mais de 200 mil crianças e adolescentes somente na área de cultura, além de outros 700, diariamente, em dois serviços de assistência social oferecidos em seis unidades.
É um trabalho mantido com a ajuda de 83 funcionários, boa parte deles ex-assistidos, e cerca de 30 voluntários, com o objetivo de transformar vidas, seja por meio da cultura, do esporte e do empreendedorismo. Nascido em Lupércio, Anderson descobriu na infância, já em Bauru, o esporte sobre patins, que o preservou de seguir por caminhos tortuosos.
Passada a adolescência, depois de ir ao retiro, ingressou no voluntariado e conheceu Marcus Vinicius Fernandes, que desejava criar um projeto dedicado a crianças e adolescentes. Foi quando, em 2006, nasceu a Wise, anos depois também abraçada pelo promotor de Justiça Enilson Komono.
Neste ano, a associação completa 18 anos concorrendo ao Prêmio Melhores ONGs do Brasil e Anderson reflete sobre esta maioridade com orgulho. Casado com Ariane e pai de Laiessa, 21 anos, ele segue focado em aprimorar a estrutura da Wise, ao mesmo tempo em que busca formas inovadoras de captar recursos e firmar parcerias junto à iniciativa privada para oferecer cursos de capacitação a jovens e a líderes da organização. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.
JC - O que o trouxe de Lupércio a Bauru?
Anderson - Eu vim para cá em 1989 com minha mãe e meus dois irmãos, por conta de conflitos familiares. Eu tinha 8 anos e fomos morar em um puxadinho no barraco de madeira de um irmão dela, na favela do Parque Jaraguá. Ficamos lá por três anos, até ela conseguir um trabalho e alugar uma casinha no Nova Esperança. Passei a infância estudando em escola pública e vendo a violência na porta de casa. Depois de uns quatro anos, meu pai veio a Bauru e ela voltou a se relacionar com ele. Naquela época, eu já andava de patins roller, que era febre. Eu tinha uns 11 anos quando minha mãe conseguiu comprar um par de patins e ficava com ele 24 horas por dia no pé. Então, conheci o esporte, que foi um divisor de águas.
JC - Precisou trabalhar cedo para investir em bons patins?
Anderson - Aos 13, fui trabalhar como empacotador de supermercado depois de fazer um curso de primeiro emprego no Cips e, com meu salário, ajudava em casa, mas consegui comprar um par de patins melhor. Trabalhei um tempo em uma funilaria e, aos 16, entrei como lavador de peças na Do Lar Eletrotécnica. Dedicado a aprender, aos 18 anos, já era técnico de manutenção. Nesse tempo, veio a Internet, eu assistia aos vídeos de manobras de patins e fui evoluindo no esporte. Tinha uma turma grande de amigos e a gente fez uma mini ramp nos fundos da casa de um deles. Aos 17, comprei meu primeiro patins profissional e cheguei a participar de pequenos campeonatos. Em 2003, saí da Do Lar e montei uma empresa na mesma área, a VIP Eletrotécnica, que me deu um retorno financeiro legal.
JC - Em que contexto decidiu fazer trabalho voluntário?
Anderson - Com uns 19 anos, fui a um retiro espiritual evangélico, onde comecei a buscar mais minha espiritualidade e vi sentido em fazer trabalho voluntário. Por intermédio do pastor Valdir, atuei por cinco anos nas penitenciárias de Bauru, levando mensagens positivas a reeducandos. Encontrei muitos amigos de infância cumprindo pena e, como vi a violência de perto, sabia que era possível fazer escolhas diferentes. Também fiz um trabalho com jovens na igreja, um no Esquadrão da Vida em Piratininga e outro no Extreme Impact, com oficinas de circo. Um amigo, o Everton participava do projeto na igreja, tinha um grupo de rap e foi na primeira reunião que o Marcus, que era do hip hop, fez com a intenção de montar um projeto de prevenção. Fui com o Everton em uma segunda reunião na casa do Marcus e começamos o projeto. No primeiro ano, já fizemos quase 30 eventos em escolas de Bauru e região.
JC - Como foi a evolução até a estrutura atual?
Anderson - Em 2010, fizemos a abertura de um campeonato de skate do Enilson, que gostou muito, juntou o projeto de skate dele ao nosso, comprou um galpão na Vila Aviação e montou uma pista de skate. Ele ficou conosco até 2017, quando transferiu-se para Bauru e precisou sair, porque desde 2014 recebíamos recursos da prefeitura. Nesse meio tempo, fechei minha empresa para me dedicar integralmente ao projeto e, de 2017 a 2023, também fui construtor. E me profissionalizei no terceiro setor: tive mentoria de líderes do banco BTG Pactual, formei-me pela Falcons University, sou fellow da Rede Gerando Falcões e estou terminando o curso em gestão pública. Por convênio com a Sebes, a Wise mantém hoje quatro serviços de convivência e fortalecimento de vínculos - que atendem crianças e adolescentes em vulnerabilidade com assistente social, psicólogo, cultura, esporte - e dois abrigos para crianças vítimas de violência e privação de direitos no núcleo familiar.
JC - Além disso, há os projetos voluntários que nasceram da Wise, correto?
Anderson - E hoje são autônomos. No street dance, tem a Cia das Artes e a Wise Way, além de grupos de break que têm suporte da Wise, o Wisebrac Futebol Clube, o Wise Maker. E tem a agência de marketing W Lens, que, inclusive, mantém o projeto social Foco, com cursos na área audiovisual a adolescentes pela Lei de Incentivo Fiscal. É gratificante saber que muitas pessoas atendidas pela Wise tornaram-se profissionais bem-sucedidos, também motivados a fazer a diferença. Foi muito trabalho nestes 18 anos, mas temos conseguido resultados positivos e a ideia é inspirar cada vez mais pessoas.

