OPINIÃO

Reflexões sobre uma tragédia

Por Zarcillo Barbosa | 25/05/2024 | Tempo de leitura: 3 min

O autor é jornalista

As mudanças meteorológicas nos obrigam a repensar as cidades, não só no aspecto urbano, como também no modo de vida e nos negócios. Nos grandes centros sujeitos a inundações, as empresas se planejam até para terem á disposição equipes de motoboys que possam garantir a comunicação para entrega de encomendas e documentos urgentes, mesmo com o trânsito caótico. Lojistas antecipam compras de aparelhos de ar condicionado e ventiladores, para o próximo verão. O objetivo é garantir estoques quando se repetirem os recordes de altas temperaturas.

Unidades de saúde carecem de geradores para se prevenirem dos apagões sem pôr em risco a vida dos pacientes. É preciso, desde ontem, garantir água potável e saneamento básico à população, para restaurar a qualidade de vida urbana.

O escritor norte-americano Danny Lyon, provocador, decretava no Times: "Primeiro a gente mata os arquitetos". Depois, para salvar as cidades, chegaria a vez dos agentes públicos. Os políticos nunca foram a solução, mas parte do problema. Eles nunca elegem a agenda ambiental como prioridade e tratam de desmontar a legislação existente, sob alegação de "engessamento da produção e do desenvolvimento".

Minimizava o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, que "o governo também vive de outras pautas e agendas". Ao que se entende, nem só de mitigar efeitos das enchentes vive o político. De que adiantaram suas pautas&agendas. Setenta por cento dos municípios gaúchos, estão inviabilizados para implantação das políticas públicas ortodoxas do governador.

Estamos às vésperas do início da campanha eleitoral nos municípios e, tenho a impressão, vão se dar bem os candidatos que tiverem um discurso afinado com a planejamento de emergências. Em Bauru, já é um desastre a dependência do Rio Batalha para o abastecimento de água. A lagoa de acumulação secou e ainda não temos nenhum projeto para o aproveitamento de mananciais alternativos. Faltam recursos à perfuração de poços profundos, armazenamento e interligações entre reservatórios.

As enchentes na av. Nações Unidas, na Baixada do Silvino, na Alfredo Maia, são históricas e não vão desaparecer enquanto não houver leis e projetos de contenção das águas à montante. Muitas cidades obrigam os condomínios verticais e horizontais a construírem cisternas para armazenamento das águas, a fim de diminuir as enxurradas que inundam os fundos de vale. Os tanques também servem para utilização da água não tratada em jardinagem, lavagem de pátios e em sanitários. Os chineses criaram os "jardins de chuva", estéticos, verdes, floridos e que retém parte dos aguaceiros. Os "solos esponja" destinam-se a diminuir as enxurradas que descem as ladeiras e causam estragos nas partes baixas.

As enchentes no Sul e suas consequências, deixam lições à reflexão coletiva. Todos os dias, na tevê, vemos depoimentos de famílias que perderam tudo, mas procuram salvar a dignidade. Demonstram disposição para reiniciar do zero. Não são super-homens. Essas pessoas precisam de terapia mental, de psicólogos e assistentes sociais. Todas as cidades precisam estar preparadas para resgate de humanos e não humanos, ter onde abrigar, alimentar, agasalhar e prestar assistência médica aos flagelados.

A ajuda tem que ser moral, financeira e jurídica, penalizando a anomia do Estado diante da ausência de políticas públicas preventivas. "O poder público resgatou só um terço da população que era para ser resgatada" - comentou o prefeito de Porto Alegre Sebastião Melo. A maior parte do trabalho foi executado por voluntários que se auto-organizaram.

Passadas as tragédias, todos delas se esquecem. Só as vítimas carregam tenebrosas lembranças para o resto de suas vidas. Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.

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