OPINIÃO

Ser bom é um bem que se conquista

Por Claudia Zogheib | 24/05/2024 | Tempo de leitura: 3 min

A autora é psicanalista formada pela USP, psicóloga formada pela USC. @auguri_humanamente, @cinemaeartenodivã, @zogheibclaudia

A sociedade real da solidariedade e do humanismo deveria existir para justificar sua política se unindo para salvar qualquer vida em risco.

Tragédias como esta que estamos assistindo no Rio Grande do Sul criam uma narrativa digna de cultivar e enaltecer: o trabalho voluntário. Pessoas se desdobram dia e noite como formiguinhas para restabelecer a dignidade de quem perdeu tudo, e cada resgate exitoso é vitória da vida.

De maneira incansável voluntários estão se revezando sem pedir nada em troca para restabelecer a vida de um desconhecido com único intuito de lhes estender a mão, entendendo a medida do legado humanitário: se você não tem, eu tenho demais, se você perdeu tudo, devo lhe estender a mão, se tenho três cobertores e você nenhum, estou com um a mais.

Perder tudo, ser arrancado da própria casa não é uma experiência fácil de viver, ainda mais quando acontece pela exclusão arbitrária, fruto de uma consequência sem humanidade.

Trabalhar na dignidade de outra pessoa após uma tragédia, exige um olhar humilde e sem julgamentos, entendendo que estender a mão engrandece internamente quem está doando por encontrar sincronicidade numa expectativa interna e não como moeda de troca, mas dando sentido à própria existência porque enquanto acolhemos a dor do outro e a transformamos em ajuda concreta, reabilitamos nosso próprio eu, e damos voz a experiência de compartilhar dor, desamparo, desejos aniquilados, sonhos desfeitos que são traduzidos em ajuda concreta.

Não é sobre fazer algo e mostrar que faz, é sobre fazer sempre e em qualquer circunstância com espírito de solidariedade infuso, impresso no DNA da própria continuidade humana que tem presente suas origens naturais que se aplicam a tudo e a todos, sobretudo aos que sofrem e que estão mais necessitados.

Situações como as que estamos assistindo no RGS deveriam nos proporcionar reflexão sobre quem escolhemos para nos representar, observando quem fala e cumpre as promessas que envolvem o povo, a cidadania, o ambientalismo, o aquecimento global, os menos favorecidos, a educação, a saúde pública.

Na teoria é fácil falar bonito, mas na prática precisamos observar para não esquecermos os dramas vividos coletivamente: mortes no Covid 19, enchentes, Brumadinho etc.

Não podemos esquecer essas tragédias, e neste sentido, o trabalho humanitário que se estende em todo o país pelos gaúchos é prova viva que é possível reconstruir, reorganizar, mesmo sabendo que nada disto deveria ter acontecido, não podemos esquecer disto.

Nem sempre vamos entender completamente o que se passa na mente de algumas pessoas, mas se continuamos a ter atitudes passivas, fechando portas, sendo egoístas, conseguindo encostar a cabeça no travesseiro enquanto tem pessoas que sofrem, continuaremos a reproduzir fracasso em vez de construir solidariedade.

Freud ao longo de sua extensa obra nos falou de várias maneiras do que o ser humano é capaz quando não se acessa, assim como os desdobramentos patológicos da formação inadequada do ego, e os exemplos de Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, São Francisco de Assis, Chiara Lubich, Martin Luther King e muitos anônimos contemporâneos servem para nos lembrar que quando se entende com sabedoria para o que de fato fomos chamados a viver, a multiplicação, a partilha, o olhar ao redor acontece. Eles não se cansaram de nos dar exemplos, e o que temos visto nas ações do voluntariado é um exemplo concreto que nos aproxima e que se estende, sustenta e cria redes.

Ser bom não é o mesmo que ser bonzinho, mas sim uma qualidade de quem se olhou, se acessou e optou por uma via possível de compreensão que entende que se o outro não tem nada, e eu não faço nada por isto, sou um ignorante.

As formigas constroem um reinado porque enquanto estamos dormindo, elas estão trabalhando. E neste sentido, mil vezes parabéns para estas "formiguinhas revolucionárias" que trabalham dia e noite sem cessar para estender a mão podendo dizer, eu te enxergo, estou aqui e quero te ajudar.

São estes revolucionários que possibilitam a reconstrução depois dos estragos e descaso porque entenderam o significado real da palavra ser bom. Eles são concretos, ágeis, incansáveis. Parabéns para todos que estão trabalhando nesta e em muitas outras causas sociais, incontestável seu valor.

Música "Outono", com Djavan.

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