ENTREVISTA

Rafaela Schiavo: maternidade é mais do que ter filhos

Psicóloga abriu mão de ter filhos para dedicar sua vida às mães que enfrentam dilemas sobre a maternidade

Por André Fleury Moraes | 12/05/2024 | Tempo de leitura: 5 min
da Redação

Divulgação

Rafaela Schiavo, no lançamento de seu livro
Rafaela Schiavo, no lançamento de seu livro

Nascida em Bauru, a psicóloga Rafaela Schiavo, 43 anos, até queria ter filhos - descobriu depois, porém, que isso é diferente de ser mãe. E essa última tarefa ela resolveu dispensar, decisão que só veio depois de anos de trabalho e estudo sobre o tema para o qual dedica sua vida: exatamente a maternidade.

Tudo começou com um livro que leu ainda durante a graduação e que despertou seu olhar em torno do tema. Abriu mão de ser mãe - exceção feita aos dois cachorrinhos de que ela cuida -, mas não de cuidar daquelas que optam por ter filhos e assumir a maternidade - é preciso, afinal, abandonar a visão romântica sobre o assunto. "O mundo real é diferente", pontua.

Schiavo hoje é referência nacional em matéria envolvendo maternidade e tudo o que ela envolve no universo da psicologia. E revela pormenores dessa trajetória em entrevista ao JC. A seguir, os principais trechos da conversa.

JC - De onde surgiu seu interesse pela maternidade?

Rafaela Schiavo - Nasci em Bauru e iniciei minha graduação em psicologia na Universidade do Sagrado Coração (hoje Unisagrado) em 2001. Tive uma professora, chama Silvana Bornia, que sugeriu o livro "Nove meses na vida de uma mulher". Comecei a ler de maneira despretensiosa, mas um mundo se abriu para mim depois dele.

Eu tinha uma visão bastante romantizada da maternidade, o que descontruí depois desse livro. Passei a buscar outras publicações sobre o tema, li um livro atrás do outro, e perguntei a Silvana se ela não gostaria de fazer pesquisa junto comigo. Aceitou. Foi meu primeiro trabalho nesse sentido. Eu pesquisei neste caso a reação das mulheres grávidas ao descobrir o sexo dos bebês no momento da ultrassonografia.

Meu desejo pela pesquisa nesta área só aumentou desde então. Mas no meio do caminho me transferi para a Unesp, onde busquei algum professor que continuasse me orientando no assunto. Imaginei que seria difícil, até porque era algo pouco falado, mas encontrei uma professora para me auxiliar.

Ela já tinha um projeto de extensão com desenvolvimento de bebês de risco entre 0 a 1 ano. Mas ao perceber meu interesse pela maternidade ela permitiu que eu ampliasse as pesquisas para esse tema. E comecei a trabalhar com teoria do apego, com práticas educativas. E fiz minha trajetória a partir disso.

JC - Começou a atuar no ramo logo ao se formar?

R.S. - Na verdade eu fui aprovada no mestrado logo ao terminar a graduação. Foi a partir dele, com meus dados sobre a população de mulheres grávidas ou em fase pós-parto em Bauru que utilizam o SUS, que decidi mergulhar no assunto. Até porque os dados revelaram que mais da metade dessas mulheres tinham algum problema emocional durante ou depois da gestação, como ansiedade, estresse e depressão. Na época psicólogos também tinham uma visão romantizada da maternidade e era um tabu a ser quebrado.

JC - Foi difícil?

R.S. - Não digo que tenha sido difícil porque basicamente era pesquisa, né. E depois de publicada as pessoas passavam a se interessar. Muitas mulheres se identificaram pois passaram pela mesma situação, afinal. Creio que foi um efeito em cadeia.

JC - Esse interesse pela maternidade se restringe à pesquisa ou você pretende ser mãe?

R.S. - Na adolescência tive uma relação difícil com a minha mãe. Mas depois percebi que eu tinha uma mãe real, não uma idealizada como nós imaginamos muitas vezes. Essa compreensão me ajudou a entender que a maternidade é uma coisa difícil, não se limitam aos filhos. Exige responsabilidade. É diferente você querer ter um filho e querer ser mãe.

Particularmente eu queria ter filho. Mas não sabia que eu não queria ser mãe. Essa percepção veio com os estudos. Optei, então, por não ser mãe e ajudar as várias mulheres que sofrem com a maternidade e não conseguem ou não podem falar sobre isso.

JC - Quais são as situações com que você lida?

R.S. - Tive uma paciente, por exemplo, que planejou toda a gestação. Mas entrou em depressão quando descobriu o sexo do bebê. O resultado foi o que ela não queria. Essa paciente teve de fazer psicoterapia, passou pelo luto. Hoje a criança tem mais de 10 anos e a mãe, por sua vez, está feliz da vida. Mas para isso precisou desidealizar a ideia que tinha sobre o bebê.

JC - Isso já lhe rendeu conquistas?

R.S. - Eu ganhei um prêmio por um trabalho que apresentei sobre estresse na gestação. Na verdade fui a primeira pessoa no Brasil a fazer de fato uma pesquisa empirica sobre isso. Essa conquista veio em 2010.

Depois, em 2022, ganhei um prêmio da Unesp que envolvia as três áreas do conhecimento e eu ganhei na parte de humanidades. A disputa foi entre todos os cursos de humanas, e o meu trabalho foi vencedor.

JC - Passados todos esses anos, os problemas relacionados à maternidade diminuíram? Ou há muito a ser feito?

R.S. - O caminho a ser trilhado ainda é longo. Em novembro do ano passado foi sancionada uma lei que garante assistência psicológica à mulher na gestação, no parto e no pós-parto. Mas temos meio milhão de psicólogos no País e menos de 1% deles tem capacitação nessa área. Ou seja, não temos profissionais suficientes para atender à demanda das mulheres que precisam disso.

Isso prejudica especialmente as mulheres que moram na periferia. Dados científicos mostram que elas são o público mais vulnerável a essas alterações mentais e emocionais - por uma questão social e econômica. Precisamos entender que o poder público precisa investir em profissionais dessa área para garantir atendimento de qualidade e prevenir esses problemas.

O que diz a psicóloga:

"Particularmente eu queria ter filho. Mas não sabia que eu não queria ser mãe"

"Optei, então, por não ser mãe e ajudar as várias mulheres que sofrem com a maternidade e não conseguem ou não podem falar sobre isso"

"Percebi que eu tinha uma mãe real, não uma idealizada como nós imaginamos muitas vezes"

Psicólogas perinatais, cuja formação Rafaela participou
Psicólogas perinatais, cuja formação Rafaela participou
A psicóloga com o prêmio recebido pela Unesp em 2022
A psicóloga com o prêmio recebido pela Unesp em 2022
Com Silvana Bormio, a professora que sugeriu o livro responsável por despertar o interesse de Rafaela sobre a maternidade
Com Silvana Bormio, a professora que sugeriu o livro responsável por despertar o interesse de Rafaela sobre a maternidade

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