OPINIÃO

Sobre meu querido esposo e Jornalista Eduardo Nassarala

Por Professora Nair Leite Ribeiro Nassarala | 03/02/2024 | Tempo de leitura: 4 min

E lá se foi meu companheiro de muitas lutas, por 45 anos juntos. Amigo, amante, amor, e um misto de irmão, pai, tudo junto e misturado pela dialética da vida.

Quando conheci mais de perto o Eduardo, no final dos anos 70, ambos éramos estudantes universitários, cursando Comunicação Social na antiga Fundação Educacional de Bauru (hoje Unesp). Nessa época, ambos queríamos o jornalismo como carreira profissional, mas só ele acabou seguindo a área, eu mais tarde me formei em História e fui professora por 30 anos.

Mais precisamente em 1978, ele já atuava no Jornal da Cidade como repórter, e o diretor do jornal era o jornalista Nilson Costa, que acabou sendo nosso padrinho de casamento.

O que acabou nos aproximando naquele período, além da química? Foi o cinema, ele era membro do Cineclube e me convidava para as sessões de cinema. Esse hábito, aliás, foi algo que mantivemos em nossa vida.

Uma vez ele chegou a ser preso pelo delegado da Polícia Federal, acho que em 1977, por ter passado em uma sessão do cineclube o filme "Os irmãos Karmazov" (baseado no romance de Fiodor Dostoiévski, o filme era norte americano, de 1958, dirigido por Richard Brooks), nessa ocasião o advogado e amigo Sergio Eduardo Baracat soltou o amigo da cadeia, mas ele acabou fichado pelo DOPS, motivo que tinha orgulho, era considerado "comunista".

No final dos anos 70 saímos juntos nas ruas, na época do movimento estudantil, gritando as palavras de ordens comuns da nossa geração: "o povo unido derruba a ditadura", um sonho de mudança do país, queríamos um futuro melhor para este país radicalmente desigual. O sonho de jovens entre 18 e 20 anos... que sempre permaneceu como elo de ligação, um país mais igualitário. Educamos os nossos filhos assim também, com esse senso de justiça social.

Éramos humanistas sonhadores e tínhamos líderes em comum: Che Guevara, Fidel Castro, Martin Luther King Jr., Marighela, Prestes e Leonel Brizola.

Os amigos dele acabaram virando meus amigos, os meus amigos acabaram virando amigos dele também, mais que isso, se tornaram irmãos que a vida nos deu, todos com o mesmo amor pela democracia: Denise Romeiro, Ulysses Guariba, Baracat, Tom Cardoso, Tidei e João Francisco.

Aliás, nesse contexto também discutíamos sobre os governos de João Goulart e Juscelino Kubitschek, e apreciávamos a democracia que rolava na época e que queríamos de volta.

Tudo junto e misturado com algo mais, que tínhamos em comum: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal, Vinícius de Moraes, Gilberto Gil, Beatles e The Rolling Stones.

No cinema tínhamos nossos favoritos, Martin Scorsese, Steven Spielberg, Stanley Kubric, Francis Coppola, Fellini e Akira Kurosawa. Nem sei quantas vezes, assistimos a nossos filmes prediletos: a trilogia "O Poderoso Chefão" e o "Incrível exército de Brancaleoni".

Meu marido adorava a vida e viveu intensamente o que queria e gostava: cerveja, cigarro, conversa de bar, comida árabe, e curtia muito o Santos Futebol Clube, paixão tão grande quanto o amor que nutria pela nossa família. Fez sacrifícios enormes pelos filhos e por mim, lutou para nos manter unidos, trabalhando muito junto comigo, para dar o de melhor que podíamos aos filhos.

Lutamos juntos pelas "Diretas Já", assim como lutamos pela vida, sempre trabalhando duro e com propósito profissional, na perspectiva de educarmos nossos filhos.

Um dia, fomos para Brasília visitar nossa filha mais velha, e ela perguntou: pai o que você quer conhecer na cidade? A resposta foi: quero conhecer o memorial JK. Lá fomos os três, em um certo momento da visita, ele sentou para assistir um filme que tratava da vida de JK e da construção de Brasília e então começou a chorar... amor pela política... minha filha foi aos prantos.

Com 59 anos ganhou uma nova vida. Logo após o transplante realizou o sonho de assistir aos Rolling Stones, parecia uma criança e passou semanas contando os detalhes do show para todos que encontrava.

No dia 9 de dezembro passado, fomos juntos para São Paulo assistir novamente ao show de Paul McCartney, já bem debilitado com seus problemas variados de saúde, usando bengala, ele dançou e cantou muito, me disse que era um dos dias mais felizes da vida dele e que já podia morrer em paz, e foi assim, meu guerreiro se foi em paz, mas como dizem, lutou sua luta justa!

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