
No início da década de 1960, Stella do Patrocínio foi abordada por uma viatura policial nas ruas do bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, e levada à força para um hospital psiquiátrico. Negra, pobre e diagnosticada com esquizofrenia, a ex-doméstica passou a viver como interna, situação na qual ficou pelas três décadas seguintes, até ser solta e morrer pouco tempo depois como indigente.
A partir da quarta-feira da semana que vem, dia 6, o público vai poder ouvir cerca de uma hora e 40 minutos das falas de Patrocínio, transformadas numa obra sonora exibida na Bienal de São Paulo, a maior exposição de artes do país. Escutar uma mulher considerada louca pelo sistema é uma maneira de entender um conceito central da mostra, o da produção artística como forma de resistência às durezas do mundo.
"São estratégias de resposta, gingados estéticos que uma série de artistas fazem diante dos impossíveis que condicionam seus espaços de origem e pertencimento", afirma Hélio Menezes, um dos organizadores da bienal, que chega agora à sua 35ª edição.
Junto com Patrocínio, estão expostas dezenas de pinturas de outros dois artistas que produziram em manicômios, Ubirajara Ferreira Braga e Aurora Cursino, e também bordados de Arthur Bispo do Rosário, o artista-paciente por excelência.
Se a fala pode curar ou ajudar a lidar com dificuldades, na medida em que põe palavras onde antes não havia, confabular em conjunto com os outros "talvez seja uma das necessidades mais prementes do nosso tempo", diz Menezes. Para ele, o encontro é outro ponto fundamental desta bienal. Não por acaso, a primeira obra que o visitante vê ao entrar no pavilhão do parque Ibirapuera onde o evento acontece é uma pequena arquibancada, proposta por Ibrahim Mahama.
Intitulado "Parlamento de Fantasmas", o trabalho do artista de Gana - uma versão do qual é apresentado agora na Bienal de Arquitetura de Veneza- vai abrigar conversas, falas, performances, oficinas de dança e até apresentações de "ballroom", um tipo de dança negra e LGBTQIA surgida no Harlem, em Nova York.
A arte do encontro se dará também no mezanino do térreo, onde estará a obra do coletivo Ocupação 9 de Julho, e no segundo pavimento, num espaço de assembleia conhecido como "assays" desenvolvido pelos artistas de Marrakech Nadir Bouhmouch e Soumeya Ait Ahmed.
Encontrar elementos em comum nas obras ajuda o visitante a lidar com a complexidade de uma exposição com 1.100 trabalhos de 121 participantes e título enigmático, "Coreografias do Impossível".
35ª BIENAL DE SÃO PAULO - COREOGRAFIAS DO IMPOSSÍVEL
Quando: ter., qua., sex., e dom., das 10h às 19h; qui. e sáb., das 10h às 21h. De 6 de setembro a 10 de dezembro
Onde: Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera, portão 3, São Paulo
Entrada: Gratuita