São muitas as casas abandonadas por seus proprietários dando mostras da ação do tempo e da proximidade de seu fim, marcadas pela desditosa sina de abrigar os desocupados e criminosos. Em número bem menor, identificam-se construções abandonadas em ruínas, algumas edificadas na divisa com passeios públicos, daí a ameaça aos transeuntes que caminham defronte a elas porque o estado de deterioração prenuncia que o desabamento é questão de tempo. E acontecerá sem sobreaviso. Mais cedo ou mais tarde a construção cederá ao desgaste ou não oferecerá resistência como anteparo ao choque de um veículo desgovernado. Os exemplos são presenciados na quadra n.º 6 da rua Araújo Leite e no cruzamento das ruas Araújo Leite e Júlio Prestes.
Com pertinência as edificações em ruínas e que colocam em risco a integridade de transeuntes, o município tem em mãos como eficiente instrumento de interferência na propriedade semi-destruída pelo tempo, sua polícia administrativa concedendo-lhe o direito irrecusável de notificar o proprietário para promover a demolição ou defender-se. Mas a Administração segue muito além dessa formalidade, caso a ordem seja desatendida porque detém a extraordinária prerrogativa de demolir a edificação por meios próprios, o que assegura ao fato maior agilidade se comparado com o pedido judicial, com ajuizamento de ação para a mesma finalidade.
No caso de seus donos alhearem-se às notificações da Seplan expedidas para regularização, duas são as medidas à disposição da Administração Pública no objetivo de corrigir a anormalidade. Quanto às casas abandonadas, a legislação federal (lei n.º 10.257/2001) outorgou aos municípios competência para complementar o assunto nela regulamentado, atribuindo-lhes autoridade mediante edição de lei a ser aplicada na área incluída no plano diretor da cidade, majorando a alíquota do IPTU incidente sobre o prédio, de modo progressivo nos cinco primeiros anos. É mecanismo predisposto a forçar seu proprietário desfazer o estado de abandono do imóvel ou aliená-lo como meio de se livrar dos periódicos acréscimos tributários. Funciona como multa de valor elevado a ser multiplicado nos exercícios fiscais como penalidade pelo desdém do proprietário em manter a função social de seu imóvel urbano. Em casos assim, o dono de construção abandonada ciente pela Seplan do mau estado de conservação incorre no dever de corrigir seu descaso pela propriedade, mas, ao ignorar a advertência, será punido com o aumento diferenciado do IPTU. Se porventura essa medida deixar de produzir resultado, além da execução judicial para cobrança do tributo, o imóvel poderá ser desapropriado pelo município que pagará o preço não em dinheiro, a guisa de outros casos, mas em títulos da dívida pública, ou seja, entregará papel de pouca liquidez. A lei federal entendeu que a maneira mais eficaz de enquadrar o proprietário desleixado com seu bem imóvel é autuá-lo pecuniariamente. Seria uma espécie de intervenção na sua propriedade, podendo perder seu domínio mediante desapropriação como castigo pela forma do pagamento da indenização.
A informação prestada a este jornal em 12 último, p.10, pelo secretário do planejamento, dizendo que a legislação federal é inaplicada porque depende de regulamentação pelo município, acrescentando ser o instrumento que usaria contra os proprietários renitentes em regularizar suas propriedades imóveis, aduzindo, ainda, que a Seplan nada pode fazer com os donos de casas abandonadas sujeitas ao procedimento de inventário, demandas judiciais sobre a posse ou a propriedade, e outros litígios que podem modificar a posição do dono. Sendo essa a declaração secretarial passada à imprensa, não deixa de ser oportuno copiar e colar o trecho do irretocável artigo publicado na edição deste jornal de 13 pretérito, p.2, sob o título “Cada um na sua”, o qual sobre a mesma desinformação anotou: “não vá o sapateiro além das chinelas”.
Nem tudo que o secretário explicou tem conotação com a possibilidade da questão ser resolvida. Se a adequação à norma federal inexiste no município, basta o prefeito encaminhar ao Legislativo projeto de lei criando as condições de ser executada. As outras justificativas apresentadas pelo secretário municipal são equivocadas e não podem ser levadas em consideração. Caso elas fossem reais, válidas entre os demandantes da propriedade, todo litígio envolvendo casa abandonada ou o inventário dos bens do falecido, seria recusado no Judiciário porque os bens estariam imunizados contra disputas. Essa excentricidade impediria aquelas lides serem ajuizadas, pois estaria revogada a base normativa do direito à ação, dispositivo constitucional que a todos, indistintamente, assegura a faculdade de litigar (art. 5.º, inc. XXXV). Efetivada a demolição do prédio, seu custo é apresentado ao proprietário para o pagamento, o que, na sua falta, se converterá em tributo a ser cobrado a qualquer momento. A demolição do imóvel deteriorado por conta da Administração é fundada no interesse público, desdobrando-se na proteção ao valor social da propriedade e na integridade dos anônimos sob o risco de serem atingidos pelo desabamento da construção. Na primeira gestão do prefeito Tuga Angerami, o município acercou-se das providências para demolir um hotel localizado na quadra n.º 2 da rua Azarias Leite. O prédio, abandonado e em ruínas estava cercado por tapume isolando o passeio público e a vizinhança. Nas vésperas da demolição houve uma reviravolta na questão e o proprietário então obstinado, decidiu fazer aquele trabalho por conta própria. Deveria haver previsão legal para o município resolver aquele caso sem a interferência do Judiciário. Consequentemente, não é difícil expurgar o problema de uma cidade que reclama melhor visual.
O autor, Alfredo Enéias Gonçalves d’Abril, é professor universitário aposentado